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Coluna Fragmentos: O projeto militar de alfabetização de jovens e adultos no Brasil: o MOBRAL
A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro
João Gabriel Vieira | 10 de abril de 2023 - 04:05

No momento em que a República foi proclamada no Brasil (1889), estima-se que apenas 20% dos brasileiros eram alfabetizados. Entre esses, estavam aqueles que rudimentarmente “desenhavam” o próprio nome e, com dificuldade, conseguiam ler uma carta ou um texto publicado em um jornal.
O fato da grande maioria da população estar fixada na zona rural tornava ainda mais difícil o processo de alfabetização no país. Além do que, saber ler e escrever não eram consideradas necessidades básicas no campo.
Apenas em meados do século XX, momento em que o Brasil ingressou em um processo de desenvolvimento que tinha por base a urbanização e a industrialização, o Estado efetivamente investiu em campanhas e programas de alfabetização em massa.
Em 1947 o Governo Federal promoveu a primeira grande campanha de alfabetização nacional. Tendo como seu principal organizador Lourenço Filho, educador ligado ao movimento da Escola Nova, a ação voltou-se principalmente para a alfabetização de jovens e adultos. Era um momento de crescimento nacional, e o Brasil necessitava qualificar mão-de-obra.
As décadas de 1950 e 1960 (até 1964) foram marcadas por um processo de amadurecimento e transformação da sociedade brasileira: os movimentos sociais avançaram, o sindicalismo se fortaleceu, os intelectuais populares ganharam espaço no mercado editorial. Em meio a essa realidade surgiram vários projetos de tendência popular voltados para a alfabetização de jovens e adultos. Desvinculados do Estado, tinham como horizonte alfabetizar e politizar os trabalhadores brasileiros. Para eles, a palavra de ordem era cidadania! Destacaram-se nesse contexto o Movimento de Educação de Base, o Movimento de Cultura Popular e o Centro Popular de Cultura. Tais projetos foram desarticulados pelo golpe de 31 de março de 1964.
Por sua vez, o regime implantado pelos militares também se deu conta da necessidade de alfabetizar os brasileiros. Em 1967, por meio da Lei 5.379, foi criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL – que, do ponto de vista da perspectiva pedagógica, caminhava na contramão dos movimentos de alfabetização popular do período anterior.
A partir do final dos anos 70, com as dificuldades provocadas pela crise internacional do petróleo e pela equivocada política econômica adotada pelos militares, o MOBRAL começou a apresentar sinais de fragilidade. Com recursos escassos passou a atender um número cada vez menor de pessoas até ser definitivamente extinto em 1985, no mesmo momento em que os militares deixaram o poder.
Com a retomada da normalidade política no país, a perspectiva da educação popular autônoma, similar ao que ocorrera antes de 1964, ganhou cada vez mais força. Em 1989, Paulo Freire, então Secretario Municipal de Educação de São Paulo, criou o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos – MOVA – ancorado na união entre Estado e organizações da sociedade civil. Essa proposta de alfabetização, ao contrário do MOBRAL, voltou a considerar a realidade, às necessidades e as condições de quem seria alfabetizado. Foi a retomada do princípio que unia alfabetização e cidadania.
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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.
Publicada originalmente no dia 15 de junho de 2008.
Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.