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Coluna Fragmentos: “Cantos e Antros”: A zona do meretrício da Nova Rússia

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

Em 29 de janeiro de 1970, o JM publicou notícia a respeito dos estudos sobre a mudança da zona do meretrício que funcionava na região da Nova Rússia
Em 29 de janeiro de 1970, o JM publicou notícia a respeito dos estudos sobre a mudança da zona do meretrício que funcionava na região da Nova Rússia -

Pouco antes de falecer o historiador José Roberto do Amaral Lapa, destacado professor da Unicamp, publicou um de seus mais brilhantes e instigadores trabalhos. Denominada “A Cidade: Os Cantos e os Antros” a obra discute o processo de transformação urbanística e social de Campinas/SP na segunda metade do século XIX. Ao abordar tal processo, Amaral Lapa descreve minuciosamente como, naquele período em que se urbanizou, a cidade do interior paulista tratou as questões relativas ao seu embelezamento físico, ao refinamento dos comportamentos coletivos e das práticas de lazer e a adequação as normas higiênico-sanitárias que entraram em vigência no período.

Com relação a essa última questão, parece ter ocorrido uma espécie de ampla e intensa cruzada, com a criação de um código sanitário que tratou de estabelecer rígidos padrões para a venda de produtos nas ruas e nas casas comerciais, para as casas de banho, para a construção de residências e, principalmente, para a ocupação das moradas coletivas (cortiços) que costumavam abrigar precariamente um considerável número de pessoas. As cocheiras e os estábulos, o matadouro municipal e também os prostíbulos acabaram por sofrer um enquadramento as regras emergentes naquele período.

Não só em Campinas, os prostíbulos e as zonas de meretrício sempre estiveram no centro das discussões sobre reformas e readequações urbanas. Marginalizados e socialmente depreciados, tais espaços costumam sofrer intervenções dos poderes públicos, sendo deslocados constantemente para áreas distantes dos perímetros urbanos.

No de Ponta Grossa é possível verificar esse fenômeno com bastante nitidez. O rápido crescimento urbano ocorrido no início do século XX trouxe consigo o progresso material, a expansão física, o aumento populacional, ampliou as opções de consumo e de lazer na cidade. Ao mesmo tempo e na mesma proporção, os ponta-grossenses viram crescer os níveis de marginalidade social, de violência e também acompanharam a abertura de vários prostíbulos nas áreas próximas ao centro da cidade. 

Até a década de 1930 as maiores casas de prostituição de Ponta Grossa ficavam na região das (atuais) ruas Sete de Setembro e Engenheiro Schamber, na altura da catedral de Sant´Ana. Em razão da intensa ocupação dessa área, as autoridades promoveram a transferência dos prostíbulos para um local (na época) mais distante do centro. Registros indicam que a partir desse período os prostíbulos passaram para a região Rua Theodoro Rosas, deslocando-se, cerca de duas décadas depois e também em função do avanço da urbanização, para o bairro da Nova Rússia, mais especificamente para a área situada abaixo da Rua Dom Pedro II.

Pensada como um território, as zonas de meretrício se configuram como espaços social e culturalmente constituídos, sofrendo, invariavelmente, a intervenção dos poderes públicos no sentido de normatizar as práticas ali promovidas (não só a prostituição, mas o consumo de bebidas, os jogos, as drogas e a violência). Esse processo de realocação espacial geralmente passa por uma preocupação higiênico-sanitária, ocorre em meio ao aumento de um discurso moralista e, em alguns casos, pode estar associado a questões imobiliárias e/ou comerciais. O certo é que, em todos esses casos, percebe-se uma complexa relação estabelecida entre a zona do meretrício e o cotidiano das cidades. Nota-se também que as ações dos poderes constituídos para com essas áreas expressam um modelo de exclusão social bastante evidente.

A zona do meretrício da Nova Rússia

Bairro que física e historicamente cumpriu a função de ponto estratégico no contato entre Ponta Grossa e o interior do Paraná, a Nova Rússia se constituiu em uma região de grande movimento ao longo do século XX. Marcado pela presença constante de comerciantes e viajantes vindos de todo estado, o bairro sediou a zona do meretrício a partir de meados do século passado. Evitava-se, desta forma, que a movimentação em torno da prostituição e, por consequência, a circulação de homens, o alcoolismo, as brigas e o indesejável barulho vindo dos prostíbulos chegassem ao centro da cidade e “atingissem” a sociedade ponta-grossense. Até a década de 1970 a zona do meretrício da Nova Rússia manteve-se no mesmo lugar, porém, com o desenvolvimento do bairro e a consequente ampliação das áreas residenciais e comerciais na região, os prostíbulos foram mais uma vez deslocados para além do perímetro urbano ponta-grossense.

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 16 de maio de 2010.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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