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Coluna Fragmentos: O JM e o jogo do bicho

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

O destaque de primeira página do JM em 14 de março de 1957 foi o combate aos jogos de azar na cidade
O destaque de primeira página do JM em 14 de março de 1957 foi o combate aos jogos de azar na cidade -

Em 1957 o JM promoveu uma campanha contra os chamados jogos de azar em Ponta Grossa. Bem ao estilo de outras “cruzadas moralizantes” promovidas pelos órgãos de comunicação local (até meados do século passado registram-se campanhas contra prostitutas, mendigos e “forasteiros desocupados”) a luta contra o jogo do bicho revela um dos aspectos que mais preocupavam a sociedade ponta-grossense e brasileira nos anos 50.

Mas porque um dos jogos mais populares, simples e simpáticos existentes no país sempre produziu tanta indignação? A resposta talvez esteja exatamente na perspectiva popular e marginal (a margem da ordem instituída) que ele sempre ocupou.

O jogo do bicho nasceu no Rio de Janeiro, em 1892, espalhando-se rapidamente por todo território brasileiro. Pode-se dizer que na década de 1920 esse já era o jogo de apostas mais conhecido e concorrido do país.

Seu criador, o Barão João Batista Drumond, era o proprietário de um Jardim Zoológico no subúrbio carioca de Vila Isabel. Seu objetivo, ao criar o jogo, era aumentar o faturamento de seu empreendimento aproveitando a fase de especulação financeira da bolsa de valores, uma verdadeira febre no início da República. O funcionamento do jogo era simples e democrático: o apostador podia jogar qualquer valor em um dos 25 bichos do zôo. No decorrer da tarde realizava-se o sorteio e colava-se um cartaz com o bicho sorteado nos postes da cidade. O prêmio era proporcional ao valor investido pelos acertadores.

O cronista Luiz Edmundo, em seu livro “O Rio de Janeiro do meu tempo” escreveu que “de duas e meia às três da tarde as cozinheiras entravam em férias. Hora mestra do dia, hora de correr o bicho! De resto, toda a cidade está sobressaltada e atenta: - Urso, com 92! Urso!”

Devido sua popularidade, logo o jogo escapou do controle do seu criador e caiu nas mãos dos chamados banqueiros (aquele que banca a totalidade do jogo e quem paga a banca), que o “profissionalizaram”.

Em 1911, Macedo Soares, renomado jurista do período, opinou sobre o tema e concluiu que o jogo do bicho já estava tão disseminado nos hábitos sociais brasileiros que seria ineficaz sancionar uma lei proibindo sua prática.

Desde sua criação, uma das características marcantes do jogo do bicho é sua “flexibilidade”. Acessível do ponto de vista do valor das apostas, o jogo sempre esteve situado na fronteira entre o mundo da ordem e o da desordem. Desde o seu surgimento e devido sua natureza, o jogo era praticado em lugares diversos: casas lotéricas, bares, armazéns e, muitas vezes, no meio da rua. Essas características definem o perfil popular do jogo do bicho o que sempre assustou ao Estado e aos setores mais conservadores da sociedade brasileira.

Em 1946, ano em que o jogo do bicho foi proibido no país e que sua prática passou a ser considerada uma contravenção, ainda não era possível associa-lo ao tráfico, aos episódios de violência urbana e, tampouco, de acusá-lo de formar uma espécie de Estado paralelo.

Em um país em que o trabalho sempre foi uma obrigação – afinal a escravidão perdurou por quase de 400 anos –, a simples idéia da troca da labuta sistemática pela sorte no jogo causava uma sensação de pânico entre os grupos que controlavam os setores produtivos no país e que dependiam da mão-de-obra dos morigerados trabalhadores nacionais.

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 20 de julho de 2008.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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