VAMOS LER
Coluna Fragmentos: A charge política: uma tradição no JM
A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro
João Gabriel Vieira | 19 de julho de 2023 - 03:32

Em 1954, mesmo ano que nasceu o JM, a revista O Malho, então uma das mais tradicionais publicações existentes no Brasil deixou de circular. Desde a sua criação, no início do século passado, aquela publicação valeu-se de charges e caricaturas de cunho político, angariando, desta forma, a simpatia dos leitores e o ódio dos políticos.
Charges, cartuns, caricaturas e anedotas são potentes armas para a crítica política e fazem parte da história da imprensa brasileira desde o seu surgimento no início do século XIX. Apesar de apresentarem conceitos e características próprias, atualmente tais elementos gráficos e textuais ocupam lugar de destaque nos jornais, revistas, TVs, sites e blogs de todo o país.
Tradição nacional, esses artifícios da linguagem jornalística invariavelmente valem-se do humor para expor, analisar ou recuperar situações políticas e/ou para satirizar algum acontecimento ou personagem próprios desse campo, elaborando, desta forma, interpretações baseadas na popularidade dos fatos e das figuras públicas.
As informações contidas em charges e em caricaturas são sempre diretas, objetivas e opinativas. Essas são características essenciais para que alguém se torne um bom chargista. Uma charge jamais busca o equilíbrio ou a suposta neutralidade da notícia. Ao contrário, o que a caracteriza é exatamente o inverso, ou seja, o posicionamento a favor ou contra algo ou alguém.
No caso brasileiro, a charge política deu seus primeiros passos no Império (sobretudo durante o reinado de D. Pedro II, quando se destacaram os trabalhos produzidos por Ângelo Agostini, considerado um dos precursores desse estilo em nosso país), mas foi na República que os chargistas políticos ganharam, de fato, respeito e destaque na mídia nacional.
Mais recentemente, durante a ditadura militar (1964-1985), chargistas e caricaturistas como os irmãos Caruso, Ziraldo, Henfil e Jaguar se notabilizaram ao retratar, de forma bastante crítica, o regime. Por meio do humor, desafiaram e denunciaram o autoritarismo, as contradições e as violações postas em prática pelos militares que ocuparam o poder.
No caso específico do JM, folha nascida em meados da década de 1950 (momento em que a charge já estava nacionalmente institucionalizada como uma forma de manifestação política), essa linguagem sempre foi utilizada pelos editores do jornal, tornando-se uma tradição deste veículo.
Atualmente a charge política tem espaço diário no JM e, assim como ocorre em veículos de circulação nacional, expressa a linha editorial assumida pelo jornal. A mescla entre episódios da vida política brasileira com os fatos da política local dão o tom do trabalho desenvolvido pelo chargista Robson, sem dúvida, um dos mais competentes profissionais dessa área surgidos em nossa cidade nas últimas décadas.
.
Ângelo Agostini
Nascido na Itália (1843), mas radicado no Brasil desde jovem, o caricaturista Ângelo Agostini foi o mais importante artista gráfico a atuar em nosso país durante o Império e o começo da República. Abolicionista e crítico da Monarquia, seus trabalhos geralmente satirizavam D. Pedro II e defendiam mudanças estruturais na sociedade e na vida política brasileira. Fundador da Revista Ilustrada (1876) e da revista Don Quixote (1895), Agostini também foi colaborador das revistas Tico Tico e O Malho. Atuou praticamente até a sua morte (1910) e exerceu enorme influência sobre a primeira geração de cartunistas, chargistas e caricaturistas republicanos.
.
O Malho
Uma das primeiras revistas de circulação regular no Brasil a valer-se das caricaturas para expor posicionamentos políticos foi “O Malho”. Publicação criada por Crispim Amaral no Rio de Janeiro em 1902, teve como alvo preferencial de seus caricaturistas, (assim como ocorre nos dias atuais) a classe política nacional. Além das charges e caricaturas políticas, a revista também utilizou essas linguagens visuais para abordar, sempre com bom humor, temas relacionados a cultura, a sociedade e ao cotidiano carioca daquele início de século. Após 1930, momento em que se estruturaram aparelhos de controle de informação e de censura no país, a revista O Malho foi proibida de circular. O motivo: sua imensa capacidade de crítica por meio das charges e caricaturas que ironizavam Vargas e seus colaboradores. Para poder voltar às bancas o formato da revista foi alterado. A crítica política foi eliminada e a sua preocupação voltou-se para as questões literárias até o seu fechamento em 1954.
.
O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.
Publicada originalmente no dia 27 de junho de 2010.
Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.