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Coluna Fragmentos: O marianismo e as mulheres

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

Em 07 de setembro de 1962 o JM publicou uma matéria a respeito das ações do Marianismo na região dos Campos Gerais
Em 07 de setembro de 1962 o JM publicou uma matéria a respeito das ações do Marianismo na região dos Campos Gerais -

No início da década de 1960 o Bispo de Ponta Grossa era Dom Antonio Mazzarotto, nosso cidade era governada por Eurico Batista Rosas, o Brasil ganhou o bi-campeonato mundial de futebol no Chile, carros como o Gordini e o Simca Chambord circulavam pelas ruas do país, a Bossa Nova já havia se tornado uma realidade e a Jovem Guarda dava os seus primeiros passos, as Ligas Camponesas avançavam rapidamente na luta pela reforma agrária e a UNE ampliava os debates sobre as questões sociais brasileiras.

Nesse contexto, marcado pela intensidade de posicionamentos e de preferências ideológicas e políticas e, também, por uma grande tensão, o Marianismo projetou-se como um forte movimento católico. O mundo vivia um momento de divisão político-ideológica que recebeu a denominação de Guerra Fria e que, na prática, dividiu os países entre capitalistas e comunistas. A América Latina área de influência “natural” do capitalismo norte-americano surpreendeu-se com a Revolução Cubana de 1959 e com a aproximação entre a ilha e o bloco soviético.

No Brasil, João Goulart, herdeiro político de Vargas, chegou à presidência da República (em 1961) após a surpreendente renúncia de Jânio Quadros. Chamado de comunista, Jango sofreu forte oposição por parte dos setores mais conservadores da sociedade brasileira. As Forças Armadas, os grupos financeiro-empresariais e a Igreja Católica adotaram uma política de crítica e de enfrentamento permanente ao governo Goulart.

Em 31 de março de 1964, após gigantescas passeatas organizadas e realizadas por centenas de milhares de mulheres brasileiras, Goulart foi derrubado pelo golpe que deu início a nefasta ditadura militar que governou o país por mais de duas décadas.

Boa parte das mulheres que participaram das “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” faziam parte do marianismo, um movimento que se originou na Igreja Católica e que se fundamenta no culto à Virgem Maria e na construção da imagem da mulher como alguém que é superior ao homem do ponto de vista moral e espiritual e que naturalmente possui uma capacidade de abnegação, bondade, humildade, voluntariado e sacrifício.

Para o marianismo, há uma clara distinção entre prazer sexual e maternidade, cabendo a mulher aceitar e cultuar a sua condição “natural” de “mãe”. Nesse sentido, o espaço doméstico era, por excelência, o lugar destinado ao gênero feminino.

Em Ponta Grossa, cidade onde o catolicismo sempre exerceu forte influência sobre a sociedade e na qual o conservadorismo se configurou em uma de suas principais características, o marianismo encontrou um campo fértil para avançar. Lideradas por Dom Antonio Mazzarotto, bispo reconhecidamente conservador, muitas católicas ponta-grossenses aderiram ao movimento mariano e apoiaram incondicionalmente o golpe de 1964, levantando, naquele momento, como a sua principal bandeira a luta contra o comunismo ateu.

O que mais impressiona é que – passado quase meio século desse episódio e apesar do processo de emancipação feminina – a sociedade ainda mantém viva a imagem da mulher como inferior e submissa aos homens. Ainda hoje, a submissão conjugal (não me refiro a fidelidade, mas a obediência incondicional), a obrigatoriedade da dependência financeira e a limitação da mulher ao espaço do lar continuam fazendo parte do cotidiano de milhares de homens e mulheres espalhados pelo Brasil. Talvez, a perpetuação de tais princípios, explique (ao menos em parte) a necessidade do país possuir uma Lei (Maria da Penha) específica para atender os casos de violência familiar contra a mulher.

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 28 de fevereiro de 2010.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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