Para sofrer junto
Publicado: 18/03/2016, 15:22
Em certos momentos de ‘O Regresso’ há sangue respingado na tela e respiração embaçando a lente da câmera. Essa espécie de “quebra da quarta parede” (rompimento da linha que separa o mundo da ficção e a plateia)é apenas mais um sinal de quão intensa é a experiência de assistir a esse filme, de quão poderosa acaba sendo a ligação entre o que o diretor apronta e o que o espectador sente. O cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu e o ator Leonardo DiCaprio estão fenomenais em suas funções, entregando uma película memorável.
Baseado em fatos reais, o filme é uma adaptação do livro homônimo de Michael Punke. DiCaprio encarna o protagonista Hugh Glass, explorador que, após ser atacado por um urso, é abandonado por seus companheiros e enfrenta horrores para sobreviver e seguir em busca de vingança. E só. A história, em si, é bastante simples. Mas o “como” ela é contada, em termos de apuro técnico, é que faz deste filme um destaque entre tantos outros.
A cena do ataque do urso é antológica. Enquanto o protagonista sofre o pior dos infernos em um mundo totalmente inóspito, marcado por pólvora, flechas, fogo, neve, sangue e água, o espectador é poderosamente convidado a sofrer junto. Graças aos talentos do diretor e do ator. Com um personagem de poucos diálogos, DiCaprio foi desafiado a investir em expressões faciais e corporais. E venceu o desafio.
O início do filme remete ao trabalho anteriorde Iñárritu. Assim como no espetacular ‘Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)’, que foi montado de modo a ocultar os cortes e passar a impressão de que todo o filme é um grande e longo plano-sequência, ‘O Regresso’ começa com poucos cortes entre as cenas. Depois retorna para a montagem mais tradicional, mas sem perder a elegância.
Nenhuma cena é preparada sem apuro visual, sem cuidado no enquadramento. Os movimentos de câmera são ousados. Há, o tempo todo, uma exuberância visual, uma busca pelo impacto, seja pela forma como os equipamentos de filmagem são manipulados e as cenas montadas, seja pela beleza estética em si mesma. Até que tudo se encaminha para um questionamento: a vingança é capaz de acalmar a dor que a motivou? Sem pudor pelo trocadilho: trata-se de um filme para regressar.