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Coluna Fragmentos: Um debate de ontem e de hoje

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

Nota sobre a censura ao filme República da Traição publicada no JM em 22 de dezembro de 1970
Nota sobre a censura ao filme República da Traição publicada no JM em 22 de dezembro de 1970 -

João Gabriel Vieira

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Um artigo recentemente publicado pelo jornalista Elio Gaspari no jornal O Globo reacendeu uma velha discussão no país: as práticas de tortura promovidas durante a ditadura militar brasileira.

Segundo Gaspari, um jornalista que se especializou em questões relacionadas ao período da ditadura no Brasil, a tortura deve ser considerada como a pior herança deixada pelos militares em nosso país. O ponto nevrálgico da análise de Elio Gaspari encontra-se na percepção de que as práticas de tortura promovidas naquele sombrio momento de nossa história não resultaram da vontade pessoal deste ou daquele delegado ou oficial de plantão, mas sim de uma política instituída e legitimada pelo Estado brasileiro no processo que se convencionou de “defesa da segurança nacional”.

Tal discussão é plena de validade na perspectiva em que muitos dos envolvidos – de ambos os lados – ainda estão entre nós e guardam vivas lembranças do período, conforme constatamos, por exemplo, na revista Urbe publicada pelo JM no último dia 17. 

Ao contrário de outros países da América do Sul que também passaram pela traumática experiência ditatorial entre as décadas de 1960 e 1980, o Brasil adotou uma postura de abrandamento no que diz respeito às práticas de violência promovidas pelas “autoridades” que governaram o país durante o regime de exceção.

No Chile o general Augusto Pinochet, ainda que protegido pelo princípio da inimputabilidade, foi investigado pelos crimes ocorridos durante seu governo (1973 – 1990) e muitos de seus colaboradores ainda poderão ser julgados por violação aos direitos humanos, desvio de dinheiro público, corrupção ativa e passiva. Na Argentina, onde militares ligados à ditadura foram condenados à prisão nesta última semana, o caso exemplar é o Jorge Rafael Videla, ex-presidente daquele país que ainda nos anos 80 foi julgado e declarado culpado por assassinato e desaparecimento de centenas de presos políticos. Em 1985 foi destituído de sua patente de general e sentenciado a prisão perpétua. É certo que em 1990, com a justificativa que era preciso esquecer o passado, o ex-presidente Carlos Menem assinou a libertação de Videla e de seus colaboradores que também haviam sido presos.

Como historiador, tenho a convicção de que toda e qualquer generalização é sempre exagerada e inevitavelmente tende a produzir uma visão parcial e distorcida dos acontecimentos históricos. Por conta disso é que não podemos classificar todos os políticos de corruptos, todos os padres de pedófilos, todos os militantes dos movimentos sociais como subversivos e agitadores. Desta forma, seria uma leviandade afirmar que todos os militares que fizeram parte do regime implantado em 1964 foram torturadores ou colaboraram com essa prática. 

No entanto o que chama atenção em nosso país é o fato, como afirma Gaspari, de muitos militares que hoje dirigem o Exército brasileiro insistirem na perspectiva de que não houve violência durante os anos da ditadura e que todas as práticas daquele período foram válidas e legais. Na opinião de Elio Gaspari, o reconhecimento e a exorcização de tais práticas por parte dos militares da ativa seria o mais correto. O que ele sugere é algo similar ao que fez recentemente a Igreja Católica ao pedir desculpas por suas ações equivocadas no processo de colonização da América e durante a Inquisição medieval. 

Ao não reconhecer que as práticas de tortura ocorreram durante o regime e que significaram um longo desvio da rota democrática, de certa forma os militares de hoje assumem a responsabilidade sobre as práticas cometidas pelas gerações passadas e mantêm mais vivo do que nunca o fantasma de um tempo que certamente (quase) ninguém sente saudade.

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 31 de agosto de 2008.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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