Debates
Val Kilmer, The Doors e a turma dos quarenta e poucos anos
Da Redação | 10 de julho de 2025 - 00:40

Por Giovani Marino Favero
Com o tempo, a nostalgia se acomoda em nós como uma velha
conhecida. Há dias em que ela bate à porta sem avisar — e outras em que chega
com notícias. Foi assim quando soube da morte de Val Kilmer. O ator, que
imortalizou figuras icônicas e improváveis, nos fez rebobinar não apenas a fita
da memória, mas toda uma fase da vida que parecia adormecida.
Para quem viveu a juventude nos anos 80 e 90, Kilmer não era
apenas um nome nos créditos. Ele era aquele rosto debochado de Top Secret!
Superconfidencial, com seu humor nonsense que nos fazia rir sem culpa e sem
pausa. Era o charme arrasador de Top Gun, e, claro, foi Jim Morrison em The
Doors, de Oliver Stone, lançado em 1991, com uma intensidade quase mística.
Ali, Val não interpretava apenas um ídolo do rock — ele encarnava
Morrison. E para mim, meu irmão e nossa turma, aquele filme foi um portal. Após
assistir pela primeira vez, ficamos em transe, como se a poesia ácida de Jim e
os riffs hipnóticos de Robby Krieger tivessem invadido nossas veias. Em poucos
anos, The Doors se tornaria uma das trilhas sonoras da nossa juventude.
Lembro como se fosse ontem: numa liquidação das Lojas
Americanas, nos deparamos com o vinil da trilha sonora do filme. O
"bolachão", em liquidação porque os CDs tomavam conta das
prateleiras. O preço era quase simbólico, mas o valor, incalculável. Trouxe o
disco comigo, e ele segue aqui, intacto, como um relicário de um tempo que não
volta.
É impressionante como certas obras têm força para atravessar
décadas. The Doors não foi só um filme. Foi um ritual de passagem, um rito para
muitos de nós. Um dos meus melhores amigos da adolescência ouvia a banda como
quem busca respostas. Com o advento da internet, mergulhamos nos poemas de Jim
Morrison — “o xamã elétrico”, como dizia um crítico. Conhecemos o lado místico,
obscuro, apaixonado, do vocalista que dizia que “existe uma estrada que ninguém
segue, e às vezes é nela que o encontro acontece”.
Quando entrei na universidade, em outra cidade — Ponta
Grossa — o filme e a banda voltaram a me rondar. Um calouro excêntrico, que
carregava consigo um VHS já desgastado, assistia ao filme como quem repete um
mantra. Certa noite, entre cervejas e teorias existenciais, ele me
confidenciou:
— “Eu escuto e assisto The Doors para me inspirar. Um dia, vou escrever um
livro baseado nisso.”
O tempo, implacável, passou. Aquele amigo ficou pelo
caminho, vencido por encruzilhadas que só a vida entende. Não sei se escreveu o
livro*, ou se ainda escuta Morrison ao cair da tarde. Mas sei que naquela
geração — a dos quarenta e poucos — a arte foi bússola. E Val Kilmer, com sua
entrega absoluta, foi um de seus faróis.
Hoje, quando escuto Riders on the Storm, ainda sinto o
arrepio de quem está de volta a um tempo em que tudo era descobrimento. Talvez
a maturidade seja isso: saber que não voltamos mais, mas podemos visitar — em
vinis, filmes gastos e memórias — o lugar onde fomos mais livres.
* Baseado nesse amigo e no The Doors, escrevi um livro chamado: A vida interrompida de Fernando Bartan, publicado pela editora Artêra em 2021. Clique aqui
Giovani Marino Favero é professor associado do Departamento
de Biologia Geral da UEPG.