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Val Kilmer, The Doors e a turma dos quarenta e poucos anos

Imagem ilustrativa da imagem Val Kilmer, The Doors e a turma dos quarenta e poucos anos

Por Giovani Marino Favero

Com o tempo, a nostalgia se acomoda em nós como uma velha conhecida. Há dias em que ela bate à porta sem avisar — e outras em que chega com notícias. Foi assim quando soube da morte de Val Kilmer. O ator, que imortalizou figuras icônicas e improváveis, nos fez rebobinar não apenas a fita da memória, mas toda uma fase da vida que parecia adormecida.

Para quem viveu a juventude nos anos 80 e 90, Kilmer não era apenas um nome nos créditos. Ele era aquele rosto debochado de Top Secret! Superconfidencial, com seu humor nonsense que nos fazia rir sem culpa e sem pausa. Era o charme arrasador de Top Gun, e, claro, foi Jim Morrison em The Doors, de Oliver Stone, lançado em 1991, com uma intensidade quase mística.

Ali, Val não interpretava apenas um ídolo do rock — ele encarnava Morrison. E para mim, meu irmão e nossa turma, aquele filme foi um portal. Após assistir pela primeira vez, ficamos em transe, como se a poesia ácida de Jim e os riffs hipnóticos de Robby Krieger tivessem invadido nossas veias. Em poucos anos, The Doors se tornaria uma das trilhas sonoras da nossa juventude.

Lembro como se fosse ontem: numa liquidação das Lojas Americanas, nos deparamos com o vinil da trilha sonora do filme. O "bolachão", em liquidação porque os CDs tomavam conta das prateleiras. O preço era quase simbólico, mas o valor, incalculável. Trouxe o disco comigo, e ele segue aqui, intacto, como um relicário de um tempo que não volta.

É impressionante como certas obras têm força para atravessar décadas. The Doors não foi só um filme. Foi um ritual de passagem, um rito para muitos de nós. Um dos meus melhores amigos da adolescência ouvia a banda como quem busca respostas. Com o advento da internet, mergulhamos nos poemas de Jim Morrison — “o xamã elétrico”, como dizia um crítico. Conhecemos o lado místico, obscuro, apaixonado, do vocalista que dizia que “existe uma estrada que ninguém segue, e às vezes é nela que o encontro acontece”.

Quando entrei na universidade, em outra cidade — Ponta Grossa — o filme e a banda voltaram a me rondar. Um calouro excêntrico, que carregava consigo um VHS já desgastado, assistia ao filme como quem repete um mantra. Certa noite, entre cervejas e teorias existenciais, ele me confidenciou:
— “Eu escuto e assisto The Doors para me inspirar. Um dia, vou escrever um livro baseado nisso.”

O tempo, implacável, passou. Aquele amigo ficou pelo caminho, vencido por encruzilhadas que só a vida entende. Não sei se escreveu o livro*, ou se ainda escuta Morrison ao cair da tarde. Mas sei que naquela geração — a dos quarenta e poucos — a arte foi bússola. E Val Kilmer, com sua entrega absoluta, foi um de seus faróis.

Hoje, quando escuto Riders on the Storm, ainda sinto o arrepio de quem está de volta a um tempo em que tudo era descobrimento. Talvez a maturidade seja isso: saber que não voltamos mais, mas podemos visitar — em vinis, filmes gastos e memórias — o lugar onde fomos mais livres.

* Baseado nesse amigo e no The Doors, escrevi um livro chamado: A vida interrompida de Fernando Bartan, publicado pela editora Artêra em 2021. Clique aqui

Giovani Marino Favero é professor associado do Departamento de Biologia Geral da UEPG.

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