Debates
Qual a vantagem da segunda safra para o produtor?
Da Redação | 29 de julho de 2020 - 01:43
Por Décio Karam
A agricultura, como era realizada anos atrás, podia ser
considerada extrativista, quando o produtor pensava na produção extensiva com
monocultivos e expectativa de retorno financeiro imediato. Contudo, este
sistema levou muitas vezes ao esgotamento dos recursos naturais (em especial o
solo), ocasionando ao produtor o uso casa vez maior de recursos financeiros
para manter a produtividade agrícola em patamares econômicos rentáveis. Ao
longo dos anos, os custos de produção tornaram-se crescentes e a produtividade
sempre dependente do clima. Assim, durante muitas décadas, o ganho (que não
significava lucro) era derivado do aumento de volume produzido pelo incremento
da área cultivada e não da produtividade esperada.
A introdução da segunda safra ocorreu no fim da década de
70, quando agricultores do norte do Paraná deram início ao plantio do milho
após a colheita da soja, por causa da descapitalização ocorrida naquela região
após a frustação da safra do café devido a perdas por geada. Contudo, a Conab
iniciou o acompanhamento de safra no final da década de 80 quando o volume de
produção da safrinha começou a ser identificado no Brasil. Embora considerada
atividade de alto risco agronômico, por isso chamada de safrinha, outros
produtores introduziram este sistema devido a ociosidade da propriedade rural
por longo período do ano. Pela falta de informações técnicas sobre a
viabilidade deste cultivo após a colheita da soja, as primeiras áreas foram
conduzidas com baixo investimento, resultando em baixa produtividade do milho,
mesmo quando não ocorriam fatores climáticos adversos. A grande maioria dos
produtores, profissionais ligados a agricultura e até mesmos cientistas
consideravam a safrinha um desafio muito grande, com mais dúvidas do que
respostas.
A partir do momento em que o produtor entende que esta
segunda safra poderia resultar em retorno econômico, inicia-se uma pressão para
o desenvolvimento e a adaptação de técnicas para melhoria de produtividade do
milho safrinha. O conceito de sistema de produção intensificado começa a ser
difundido e, a partir de então, muitas regiões onde não era semeada nenhuma
cultura com retorno econômico foi possível demonstrar a rentabilidade duplicada
na mesma área.
A partir da safra 2011/12 o milho safrinha passa a
representar mais de 50% da área plantada e da produção de milho no Brasil,
estando atualmente estes em mais de 72% de toda a área plantada e da produção
do milho em nosso país.
Se a cultura do milho após a soja era considerada de alto
risco, porque o agricultor adotou de vez a safrinha em sua propriedade? Porque
foi possível aderir as duas principais culturas econômicas de maior retorno
econômico no país na mesma área em sucessão. Com isso, foi possível demonstrar
que a propriedade rural pode ser trabalhada em mais de 80% do ano, com
possibilidades de investimento para o sistema e maior retorno econômico em
médio prazo, diluindo os custos fixos, redução da ociosidade dos equipamentos
e, principalmente, otimizando o uso dos recursos humanos na propriedade rural.
Novas técnicas estão sendo desenvolvidas com novas
modalidades de semeadura, melhoria no aproveitamento de fertilizantes, uso e
manuseio correto de defensivos agrícolas por meio de tecnologia de aplicação
para as condições de temperaturas altas, noites frias e umidade relativa do ar
baixa, além da adequação de agentes para controle biológico nestas mesmas
condições. Todas estas tecnologias permitiram que o sistema soja/milho fosse
economicamente viável, ambientalmente factível e socialmente integrador. Assim,
não é incoerente dizer que o cultivo do milho safrinha trouxe sustentabilidade
para a agricultura brasileira.
Décio Karam é membro do Conselho Científico Agro
Sustentável (CCAS), Ph.D, pesquisador de Manejo de Plantas Daninhas da Embrapa
Milho e Sorgo