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Coluna MSN: Repatriar livros

“Objetos muito ligados a nós sempre nos buscam”

Miguel Sanches Neto é escritor e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa
Miguel Sanches Neto é escritor e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa -

Da Redação

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As viagens de volta se fazem sozinhas, mesmo quando a pessoa já está morta.

Em sua vida no exílio, por conta da ditatura do general Alfredo Strossner no Paraguai, o grande escritor Augusto Roa Bastos (1917-2005) teve que adotar outros países, pois o seu estava momentaneamente interditado. Morava em Buenos Aires quando a pressão política aumentou, obrigando-o a aceitar, em 1984, um convite para lecionar na França. Como seria por pouco tempo, deixou montado seu apartamento argentino. A permanência na Europa foi crescendo (duraria 10 anos) junto com a necessidade de dinheiro, o que o levou a entregar o imóvel à sua agente, a legendária Carmen Balcells, que o vendeu depois de retirar os materiais literários mais importantes. Os refugos foram para um depósito.

Em 2021, um casal da região de Mar del Plata encontra no lixo muitos livros (uns 150) e outros textos. Como bons leitores, regatam tudo para descobrir que pertenciam ao lote de documentos deixados para trás por Roa Bastos.

Em 1996, ele deixara na França a nova esposa e os filhos para rever o Paraguai, do qual sua literatura era uma réplica em modelo reduzido. Viveu quase uma década na pátria que agora era um lugar de exílio temporal e não mais geográfico.

A história acabaria aí se não fosse a repatriação dos materiais retidos na Argentina – hoje expostos na Manzana de la Rivera. Estes fragmentos seguiram o mesmo caminho do escritor, quase 40 anos depois.

São compostos por obras anotadas, comentários, cartas, planos de escrita de “Yo, El Supremo”, seu romance maior. Enfim, a oficina do romancista, agora devolvida ao Paraguai. Estes objetos trazem a trilha do grande romance. Se a obra de Roa Bastos é produzida principalmente no exílio, o que o tornou um dos grandes autores latino-americanos, há nela uma força telúrica, que atrai o autor e até os seus objetos.

Objetos que celebram a pátria porque para o retorno nunca é tarde, mesmo quando se chega a um mundo que já não existe.

O autor é escritor e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa. No Instagram: @sanchesnetomiguel; no Facebook: https://pt-br.facebook.com/miguelsanchesneto/; no Twitter: @miguelsanchesnt.

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