Coluna Fragmentos: As Santas Casas de Misericórdia
A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro
Publicado: 05/09/2023, 00:05
De origem lusitana, as Irmandades de Nossa Senhora da Misericórdia estiveram presentes em praticamente todas as colônias formadas por Portugal a partir do século XV e, no caso brasileiro, se constituíram em um importante elemento na composição da identidade local desde os tempos coloniais. De acordo com a doutrina cristã trazida pelos lusos para o Brasil, o auxílio espiritual e material aos necessitados era uma obrigação da Coroa portuguesa e também daqueles que, na colônia, possuíam bens.
O modelo caritativo, impulsionado por instituições como as Irmandades da Misericórdia, pode ser compreendido como um dos principais sustentáculos da vitalidade católica em Portugal e em todas as suas colônias. No Reino, desde os tempos medievais instituiu-se a tradição de dar esmolas (alimento, dinheiro, roupas) e tal prática disseminou-se pelas regiões coloniais. Para atender a esse fim, e com base na fé cristã, nasceram em Portugal as Misericórdias, instituições voltadas para a caridade que assistiam os pobres, os doentes, os presos, os órfãos, os inválidos, as viúvas e os indigentes.
Inseridas nessa concepção, nasceram as Santas Casas de Misericórdia, as quais tiveram, inicialmente, uma função mais assistencial do que terapêutica, apesar de recolherem os doentes e os moribundos. Com o passar do tempo, a função médico-hospitalar passou a ter a mesma importância da assistencial. As primeiras Santas Casas de Misericórdia implantadas pelos portugueses no Brasil datam da década de 1540 – em Olinda (PE), Santos (SP) e Salvador (BA) – e desde a sua fundação cumpriram um importante papel no atendimento assistencial e hospitalar voltando-se, sobretudo, aos mais pobres. Instituições católicas, as Santas Casas foram inicialmente construídas nos núcleos que apresentavam maiores sinais de urbanização.
A pobreza disseminada pode ser considera uma das maiores marcas da sociedade fundada pelos portugueses no Brasil: escravos, trabalhadores livres despossuídos, pequenos proprietários agrícolas, mulheres prostituídas, crianças bastardas e abandonadas, mendigos e indígenas que viviam a margem do sistema produtivo formaram a base de nossa sociedade colonial. Nesse cenário, a caridade e a misericórdia eram elementos essenciais e indispensáveis. As Santas Casas de Misericórdia ampararam, sem distinção, os pobres brasileiros ao longo de suas vidas e, sobretudo, no momento de suas mortes.
No Brasil, farto de doenças de todas as espécies, as Santas Casas nasceram ligadas a ideia da esmola, mas logo passaram a prestar serviços na área sanitária. No século XIX, durante o período imperial, as Santas Casas já estavam espalhadas pelo país e ocupavam o papel de principal referência hospitalar nacional. Em Ponta Grossa, a Santa Casa de Misericórdia nasceu a partir da ação da Associação das Damas de Caridade, uma entidade criada na cidade em 1902 cujo objetivo era atuar no campo social por meio de práticas assistencialistas, principalmente através da compra e distribuição de medicamentos aos pobres e aos mendigos. Em 1907 a Associação solicitou auxílio ao prefeito Ernesto Vilela para a construção de um hospital ou ambulatório para atender aos necessitados, recebendo um terreno municipal que, na época, ficava relativamente afastado da área central da cidade.
A partir de então teve início uma campanha de arrecadação de recursos e, em 1908, foi lançada a pedra fundamental do hospital. A Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa foi inaugurada há praticamente um século, em dezembro de 1912, ficando as irmãs vicentinas com a responsabilidade inicial de gerenciar o seu funcionamento.
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A Santa Casa de Ponta Grossa
Um dos primeiros estabelecimentos hospitalares do interior paranaense, a Santa Casa contou em seu corpo clínico original com profissionais renomados como o Dr. Francisco Burzio e o parnanguara Adbon Petit Carneiro. Logo após iniciar suas atividades, o hospital tornou-se uma referência na medicina local e regional, recebendo contribuições oficiais de cidades vizinhas como Castro, Tibagi, Teixeira Soares e Marechal Mallet. Atendendo um número cada vez maior de pacientes, a Santa Casa passou por sucessivas ampliações e reformas, investindo principalmente, ao longo do século passado, em alas para atendimentos gratuitos, ambulatórios e salas cirúrgicas.
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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.
Publicada originalmente no dia 05 de junho de 2011.
Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.