Coluna Fragmentos: Os literatos e os “comerciantes de frases” | aRede
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Coluna Fragmentos: Os literatos e os “comerciantes de frases”

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

Na década de 1950, o JM publicava regularmente a coluna “Retalhos Literários”, assinada por intelectuais locais que integravam o Centro Cultural Euclides da Cunha. Na imagem, a coluna publicada em 05 de maio de 1957 e assinada por Ottokar Hanns
Na década de 1950, o JM publicava regularmente a coluna “Retalhos Literários”, assinada por intelectuais locais que integravam o Centro Cultural Euclides da Cunha. Na imagem, a coluna publicada em 05 de maio de 1957 e assinada por Ottokar Hanns -

João Gabriel Vieira

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É verdade, o jornalismo e a literatura possuem uma base comum: ambos se servem da linguagem para se expressar. Porém, a relação entre esses dois estilos de escrita sempre foi marcada por um intenso conflito.

Boa parte dos intelectuais europeus do século XIX sempre teve uma postura bastante crítica em relação ao jornalismo e aos profissionais que nele militavam. Por exemplo, para Gustave Flaubert – um escritor que “gastou” cinco anos de sua vida para concluir Madame Bovary – como aceitar que artigos produzidos da noite para o dia, no ritmo frenético que o jornalismo exige, tivessem validade? Em um dos seus muitos textos críticos ao modelo de produção jornalístico, Flaubert deu graças por não atuar nesse campo: “Considero como uma das felicidades de minha vida não escrever jornais; isto faz mal a meu bolso, mas faz bem à minha consciência”. Outro importante intelectual francês, Marcel Proust, preocupou-se em estabelecer uma escala de valores entre o texto jornalístico e o literário: “O que censuro aos jornais é fazer-nos prestar atenção todos os dias a coisas insignificantes, ao passo que nós lemos três ou quatro vezes na vida os livros em que há coisas essenciais”. Outra dura manifestação contra o jornalismo e os jornalistas foi a produzida por Honoré de Balzac, para quem o jornalismo nada mais era do que uma degeneração da literatura e os profissionais que atuavam nesse campo não passavam de meros “comerciantes de frases” a quem faltava qualidade intelectual e capacidade de produzir um texto de boa qualidade.

Essa discussão iniciada na França e em outros países europeus, também chegou ao Brasil. No período compreendido entre o final dos Oitocentos e o início do século XX, os jornais começaram a se popularizar pelo território brasileiro e a conflituosa relação entre jornalistas e literatos também se manifestou por aqui.

João do Rio, o mais conhecido cronista carioca daquele período, chegou a promover uma enquete entre jornalistas e literatos que escreviam nos jornais do Rio de Janeiro. No caso brasileiro – ao contrário do que acontecia na Europa – escritores renomados como Machado de Assis, José de Alencar e José Veríssimo, publicavam seus textos em diversos periódicos nacionais, sobretudo naqueles que circulavam na Capital Federal. Contudo, esses escritores faziam questão de destacar que seus escritos eram diferentes daqueles produzidos pelos jornalistas. Por sua vez, os jornalistas respondiam essas críticas com veemência, destacando o papel social do jornalismo e sua contribuição para a formação da ordem republicana e da própria nacionalidade brasileira.

Ao longo dos Novecentos, vários literatos de renome tiveram intensa participação nos jornais brasileiros, afinal, sobreviver apenas da produção de livros no Brasil é algo que (até hoje) se resume a um grupo seleto de intelectuais. Além dos já citados Machado de Assis, Alencar e Veríssimo, nomes contemporâneos, como, por exemplo, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector e Millôr Fernandes escreveram durante muitos anos em diversas folhas nacionais. Nem por isso, perderam valor ou tiveram seus textos desqualificados por seus pares e pelo público em geral.

Ironicamente – apesar das críticas dos escritores da literatura – uma prática bastante comum nos jornais brasileiros (sobretudo nas décadas iniciais do século XX), era a publicação de trechos ou capítulos de obras clássicas da literatura mundial como os “Contos de Natal”, de Charles Dickens; "Os Miseráveis”, de Victor Hugo; “O Germinal”, de Émile Zola, além das principais obras da literatura brasileira do período, como “O Cortiço”, de Aluísio de Azevedo; “Memórias de um Sargento de Milícia”, de Manuel Antônio de Almeida e “O Guarani”, de José de Alencar.

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 17 de maio de 2009.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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