Coluna Fragmentos: Um longo caminho: a inclusão dos deficientes nas sociedades contemporâneas
A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro
Publicado: 27/05/2023, 09:00

Em meados do século XIX, por ordem do Imperador Pedro II, foram criados no Brasil o Imperial Instituto dos Meninos Cegos e o Imperial Instituto de Surdos-Mudos. Este ato significou a primeira atitude do nosso Estado no sentido de tentar uma mínima integração dos deficientes na sociedade brasileira.
Ao longo da história da são inúmeros os registros que dão conta das dificuldades enfrentadas por deficientes físicos e mentais, bem como das atitudes legalmente instituídas por Estados e sociedades que resultavam no isolamento, desprezo e até mesmo eliminação dos portadores de alguma forma de deficiência.
Por exemplo, na Antiguidade, na Grécia e em Roma, a “exposição” (abandono) de crianças portadoras de deficiências físicas e/ou mentais era uma atitude legal e bastante comum. Já no mundo medieval, fortemente dominado por um imaginário religioso e pelas noções de pecado, castigo divino e expiação, o cuidado e a custódia dos deficientes (crianças ou adultos) foi assumido pela Igreja Católica que os recolhia em asilos e os retirava completamente do convívio social.
Com o advento da Reforma Protestante e da Inquisição Católica não houve grande mudança no trato aos “loucos” e “aleijados”. A ideia de que estes eram seres diabólicos e, portanto, deveriam ser castigados para obter a purificação de suas almas prevaleceu e foi empregada tanto por católicos quanto por reformistas.
Foi apenas no século XVI, com o avanço científico no campo da medicina, que apareceram as primeiras falas dissonantes a respeito do tratamento dispensado aos deficientes. O suíço Paracelso (Pillipus von Hohenheim) e o italiano Girolamo Cardano, que se dedicaram ao estudo dessa questão, foram os precursores de um novo discurso que afirmava que as deficiências físicas e mentais deveriam ser vistas e tratadas como um problema médico e não como algo de natureza teológica ou moral. Ambos eram médicos e expressavam as novas concepções sobre o homem, próprias do mundo renascentista.
No caso do Brasil, colonizado a partir da visão católica de mundo trazida pelos portugueses, foi tão habitual o abandono e o isolamento dos deficientes que no final do século XVII uma autoridade colonial – Antonio Paes de Sândi, Governador da Província do Rio de Janeiro – enviou um pedido de providências ao Rei de Portugal “contra os atos desumanos de abandonar crianças pelas ruas, onde eram comidas por cães, mortas de frio, fome e sede”. Nesse mesmo período, um relatório da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo abordou a mesma questão e tratou do grande número de crianças deficientes que chegavam àquele hospital após serem abandonadas em lugares ermos, onde eram mutiladas ou mortas por animais selvagens.
A situação permaneceu inalterada durante todo o período colonial, sendo, portanto, a criação dos Institutos citados no início deste texto, a primeira ação concreta no sentido de compreender os portadores de deficiências como cidadãos com direitos iguais aos demais componentes da sociedade brasileira.
Infelizmente, até os dias atuais, a combinação entre preconceito social e ação limitada dos poderes públicos, dificulta e impede uma inclusão efetiva dessas pessoas em nossa sociedade. Nesse sentido ainda há um longo caminho a seguir!
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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.
Publicada originalmente no dia 10 de maio de 2009.
Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.