Coluna Fragmentos: Escolinha Walita
A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro
Publicado: 26/05/2023, 09:00

De acordo com o Censo realizado pelo IBGE em 1950, naquele momento o Brasil possuía uma população total de 51 milhões de habitantes, dos quais aproximadamente 33 milhões (65%) viviam no meio rural e 18 milhões (35%) nas cidades.
No entanto, o mesmo Censo já apontava para uma tendência de rápido aumento da população urbana, pois, desde meados da década de 1940, o Brasil experimentou um incremento de sua produção industrial motivado pela implantação da indústria de base no país e pelos efeitos econômicos positivos do imediato pós-guerra.
Esse cenário provocou um crescimento da economia brasileira, atraiu um considerável contingente de pessoas do campo para a cidade, alavancou a produção industrial nacional, estabeleceu novos hábitos de consumo e, consequentemente, motivou o aparecimento de empresas e de profissionais preocupados com a publicidade e com o marketing. Era necessário criar novos hábitos de comportamento e de consumo, e nada melhor que ações no campo da propaganda para construir um imaginário coletivo adequado aos interesses das empresas que produziam alimentos, eletrodomésticos, automóveis e outros bens de consumo que então passavam a fazer parte do cotidiano dos brasileiros, notadamente daqueles que residiam nos centros urbanos.
Ao longo da década de 1950, marcas que atualmente estão incorporadas ao dia-a-dia das pessoas começaram a se popularizar graças a nascente publicidade brasileira. Coca-Cola, Brahma, Gilette, Souza Cruz, General Eletric, Shell e Gessy-Lever, por exemplo, passaram a integrar o cotidiano brasileiro exatamente a partir desse período.
Porém, os hábitos de consumo da sociedade brasileira precisavam mais do que simples propagandas para atingir os níveis de consumo desejados, principalmente, pelas indústrias multinacionais que haviam se instalado no país. Percebendo o potencial de consumo de uma população numerosa e em franco movimento em direção aos centros urbanos, mas que ainda tinha os pés fincados em um passado histórico fortemente marcado por práticas culturais e sociais ligadas ao universo rural, como fazer, por exemplo, que ao invés de benzimentos e remédios caseiros, o grosso da população consumisse comprimidos vendidos em cartelas, tomasse injeções ou xaropes industrializados para mitigar suas dores e males?
O que pode parecer algo de simples compreensão para os olhos de hoje, correspondeu a uma ruptura com as práticas secularmente constituídas e na adoção de novos hábitos, até então desconhecidos da maioria das pessoas. O mesmo se pode dizer com relação a outras práticas de consumo.
Como fazer para que eletrodomésticos começassem a tomar conta das casas brasileiras e, ao mesmo tempo, desalojassem utensílios tradicionais, muitos dos quais utilizados desde os tempos coloniais? O velho pilão, os tachos e gamelas de madeira, o ferro a brasa, o escovão de palha e os potes de cerâmica teriam de ser substituídos por batedeiras, liquidificadores, enceradeiras e espremedores de fruta sem que deixassem saudade para as mulheres, afinal, naqueles tempos eram exclusivamente as “donas de casa” que “dialogavam” com tais objetos.
E foi para conquistar cada vez mais consumidores que o creme dental Kolynos passou a distribuir amostras e fazer demonstrações nas escolas de todo país (até então era prática comum se escovar os dentes com cinza retirada dos fogões a lenha), a Gessy-Lever montou caravanas que percorriam o país patrocinando programas de auditórios nas rádios (ao mesmo tempo em que divulgava as vantagens do sabão em pó) e a Electrolux adotou o método de vender enceradeiras e aspiradores de pó de porta em porta. Mas uma das mais eficientes e inovadoras estratégias adotadas nesse tempo ficou por conta de uma empresa criada por um alemão – Waldemar Clemente – que morava em São Paulo: a Walita.
Fundada no ano de 1939, a Walita inicialmente dedicou-se a fabricação de componentes elétricos como plugs, interruptores e calhas de iluminação, mas logo começou a produzir as primeiras batedeiras e liquidificadores brasileiros.
No final da década de 1950, a empresa já aparecia com destaque entre a principais produtoras de eletrodomésticos no Brasil, concorrendo de igual para igual com as multinacionais européias e norte-americanas. A partir da década seguinte, a Walita inovou ao criar a “Escolinha Walita”. A ideia era simples e, ao mesmo tempo, bastante eficiente. Consistia em estruturar cursos por todo país nos quais as mulheres aprendiam a cozinhar e a cuidar da casa utilizando seus eletrodomésticos. Clubes Sociais, teatros, grandes cadeias de lojas (como o Mappin, Americanas e Hermes Macedo) e as maiores lojas locais (como a João Vargas de Oliveira, no caso de Ponta Grossa) abrigavam os cursos da Escolinha e, ao mesmo tempo, aproveitavam para se aproximar das potenciais consumidoras e ampliar a venda de seus produtos.
Por cerca de duas décadas a Escolinha Walita funcionou a pleno vapor em todo o território nacional e “formou” milhares de mulheres, ensinando-as como agradar a família com as receitas que aprendiam no transcorrer dos cursos ofertados pela empresa.
Depois disso, com as mudanças socioculturais das últimas décadas, as mulheres brasileiras passaram a ter outros papéis e interesses, o que acabou por fazer com que o projeto perdesse força. Mesmo assim, até os dias atuais, ainda é possível encontrar muitas donas de casas que participaram da Escolinha criada pela Walita.
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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.
Publicada originalmente no dia 03 de maio de 2009.
Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.