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Coluna Fragmentos: As parteiras e a arte de dar à luz

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

Matéria a respeito da implantação de cursos para qualificação de parteiras, promovidos pela Secretaria de Saúde do Paraná, publicada no JM em 13 de julho de 1975
Matéria a respeito da implantação de cursos para qualificação de parteiras, promovidos pela Secretaria de Saúde do Paraná, publicada no JM em 13 de julho de 1975 -

João Gabriel Vieira

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Uma prática comum às sociedades contemporâneas é a de “naturalizar” determinados hábitos que hoje são tão simples e corriqueiros que pensarmos o nosso cotidiano sem eles torna-se um exercício complexo. Ao fazermos isso, muitas vezes não percebemos que até bem pouco tempo, muitas dessas práticas ou costumes não estavam instituídos nas sociedades que nos antecederam.

As práticas médicas exemplificam bem tal perspectiva. A figura do profissional da medicina em nossas vidas faz parte das memórias mais profundas e antigas que possuímos, afinal, quem não se lembra de ter sido atendido por um médico na infância, principalmente se este profissional receitou algum medicamento doloroso, como uma injeção, ou de gosto ruim, como um xarope qualquer.

No entanto, não precisamos voltar para além do início do século passado para descobrirmos que a representação do médico como o profissional da saúde por excelência, era algo tão raro que beirava a excentricidade entre nossos antepassados.

Um exemplo claro dessa afirmação se materializa na figura das parteiras quando se tratava do momento das mulheres darem a luz!

Nos dias atuais, é absolutamente normal encontrarmos consultórios de profissionais da medicina (homens) que atuam na ginecologia e na obstetrícia. Porém, há 70 ou 80 anos havia uma enorme resistência – assentada em questões morais, religiosas e culturais – a idéia de que uma mulher fosse atendida por um homem (mesmo que formado para esse fim) na hora do parto.

Registros da Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa indicam que, nas primeiras décadas do século XX, um número ínfimo de mulheres procurava o hospital na hora de dar a luz. O parto ocorria mesmo em casa, sob a tutela das parteiras, mulheres que aprendiam essa função por meio da prática e que, muitas vezes, “herdavam” esse conhecimento de suas mães, tias ou avós.

No início do século XX, com o avanço dos cursos de medicina no Brasil e com o envolvimento do Estado nas questões de saúde pública, teve iniciou um grande debate no sentido de se estabelecer o papel do médico como a figura central nas discussões afetas à saúde no país.

Nesse contexto, as parteiras foram vistas com muitas ressalvas pelos profissionais formados nas Faculdades de Medicina. Em 1922, ano da realização do Congresso Nacional dos Práticos (um dos primeiros eventos científicos de abrangência nacional realizados no Brasil), foram abordadas questões relacionadas à prática médica e ao ensino da medicina em território brasileiro, emergindo, como uma das maiores preocupações dos esculápios naquele momento, a discussão a respeito da atuação das parteiras.

Ao longo do Congresso dos Práticos, os médicos se dividiram entre duas teses relacionadas às parteiras: sua eliminação radical ou a fiscalização médica sobre os atos praticados por estas. Os defensores da primeira tese tratavam as parteiras de abortadeiras e infanticidas, desqualificando-as completamente para a função e exigindo a atuação do Estado para eliminá-las. Já, os adeptos da segunda tese compreendiam que ainda não existiam condições sociais e culturais para tal medida e que, portanto, caberia aos próprios médicos promoverem um diálogo com as parteiras e, assim, estabelecerem normas de conduta para que estas atuassem.

É claro que esse debate evidencia a disputa pelo controle do campo da medicina. Os representantes da classe médica, então em formação no país, desejavam eliminar ou, ao menos, limitar a atuação das parteiras na sociedade brasileira e, desta forma, se estabelecerem como autoridade exclusivas nesse campo.

No entanto, essas profissionais resistiram ao tempo, sobreviveram ao século XX e chegaram até os nossos dias. Sobretudo no interior brasileiro a figura das parteiras ainda continua tão comum como a das benzedeiras, das “costureiras” e das rezadeiras.

Muito além de um tema de saúde pública, tal questão pode ser compreendida pelas relações pessoais e de afetividade estabelecidas entre as parturientes e aquelas que as ajudam a dar a luz!

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 22 de dezembro de 2008.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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