Coluna Fragmentos: Rondon: o retrato de uma época | aRede
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Coluna Fragmentos: Rondon: o retrato de uma época

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

Nota a respeito do estado de saúde do Marechal Rondon publicado no JM em 15 de janeiro de 1958
Nota a respeito do estado de saúde do Marechal Rondon publicado no JM em 15 de janeiro de 1958 -

João Gabriel Vieira

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No dia 15 de janeiro de 1958 o JM estampou em sua primeira página uma pequena nota a respeito do delicado estado de saúde do Marechal Cândido Mariano Rondon. O militar faleceria quatro dias depois, no Rio de Janeiro.

Nascido no interior do Mato Grosso em 1865, Rondon mudou-se para o Rio de Janeiro em 1883 e ingressou na Escola Militar da Praia Vermelha onde, além de tornar-se bacharel em Matemática e Ciências Físicas e Naturais, integrou os movimentos abolicionista e republicano. Na Escola Militar tomou contato com o positivismo, filosofia dominante no Exército brasileiro e que influenciou sua visão de mundo até o final da vida. 

Foi com base na perspectiva positivista, que Rondon imaginou ser possível “melhorar” o Brasil por meios científicos e levar a civilização (vista como um estágio superior) para a selva (compreendida como sinônimo de inferioridade). 

No início do século XX, então já conhecido por sua participação em missões no interior do país, Rondon comandou diversas explorações pela região Amazônica, mapeando o território e fazendo contato com inúmeras tribos indígenas. Foi esse contato com os “selvagens” brasileiros que definitivamente tornou-o um personagem conhecido em nossa história.

Nomeado diretor do Serviço de Proteção ao Índio (criado em 1910), Rondon – com sua visão militar-positivista – decidiu, obstinadamente, “civilizar” o maior número de indígenas que pudesse. Desta forma saiu pelo interior do Brasil, enfrentou doenças como a malária, resistiu a ataques de indígenas hostis e conviveu com as deserções de soldados que não suportavam as agruras do interior brasileiro. 

De acordo com o historiador norte-americano Todd Diacon, um especialista em história do Brasil que recentemente publicou “Rondon – O Marechal da Floresta” (Cia. das Letras, 2008), o indigenista era “implacável com os soldados que integravam a comissão, exigia disciplina, aplicava castigos físicos e forçava os doentes a seguir trabalhando. Por outro lado, aos índios (sic) dispensava um tratamento bondoso ... uma bondade que tinha uma intenção clara, a de seduzi-los a se aproximar do que considerava ser a civilização”. Foi assim que Rondon estabeleceu contato com os Bororos, Nhambiquaras, Urupás, Jarus, Karipunas, Ariquemes, Macuporés, Guarayas, Macurapes etc.

De acordo com Darcy Ribeiro, o mais importante antropólogo que o Brasil já conheceu, Rondon costumava levar um gramofone em todas as suas expedições pelo interior para, em contato com os indígenas, perfila-los e executar o hino nacional. Acreditava, desta forma, promover o contato do selvagem inferior com a civilização branca superior.

Se essas práticas levaram Rondon a ser indicado ao Nobel da Paz em 1957, hoje elas são bastante questionáveis. Nas últimas décadas novas concepções foram adotadas por antropólogos e também pelas autoridades envolvidas com a questão indígena brasileira. A complexa perspectiva de integrar os povos indígenas a realidade nacional e, ao mesmo tempo, fazer com que eles preservem suas matrizes socioculturais suplantou a visão de Rondon baseada na premissa de que era necessário “civilizar” os selvagens para melhorá-los.

Acredito que não se trata de julgar Rondon, ou de dizer se ele estava certo ou errado. Não o vejo como herói ou vilão, e também não creio que seja correto “adocicar” sua figura e imagina-lo como um militar paternal que despretensiosamente buscava civilizar os indígenas. Neste caso, o grande exercício a ser feito é o de percebê-lo como um homem do seu tempo, influenciado pelo positivismo e por uma visão evolucionista de sociedade. Ele obedecia a um projeto oficial – excludente, violento e conservador – implantado pela República brasileira que “ironicamente” (num país mestiço por origem) negava a diversidade étnico-cultural e via na matriz branca e européia da nossa sociedade a única forma de elevar o Brasil a condição de país desenvolvido. Cândido Rondon foi um personagem que se enquadrou aos padrões oficiais da sua época, da mesma forma que outras figuras de peso daquele período como, por exemplo, Euclides da Cunha no campo da literatura, Oliveira Vianna no campo da sociologia e padre Cícero na religião e na política.

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 26 de outubro de 2008.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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