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Terceirização e trabalho escravo, o alienista trabalhista

Otavio Torres Calvet fala sobre a contribuição assistencial e trabalho escravo

contribuição assistencial e trabalho escravo
contribuição assistencial e trabalho escravo -

Da Redação

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Semana passada defendi que a contribuição assistencial, ainda que fixada sem oposição do trabalhador, não pode ser objeto de desconto automático no salário dos empregados por força do artigo 611-B, XXVI da CLT.

Um dos comentários ao artigo me classifica com "defensor da escravatura", afirmando, entre outras coisas, que a Justiça do Trabalho existe para proteger o "direito dos hipossuficientes", lamentando que eu "comande uma escola de formação de juízes trabalhistas".

Poderia, talvez deveria, ter ignorado o presente comentário, mas há coincidências na vida que despertam algo que acaba tomando uma forma própria que precisa ganhar corpo. Uma confluência de fatores que geram alguma percepção nova ou, quem sabe, o somatório de acidentes que produzem uma tragédia. Caberá ao leitor decidir.

O fato é que tenho lido e ouvido, com certa frequência, que a terceirização propiciada pela reforma trabalhista é culpada pelo trabalho análogo à escravidão. E não se trata de manifestação isolada nem de pouca autoridade. O último que vi defender essa conexão foi o próprio ministro do Trabalho e Emprego.

Escravatura, escravidão, este autor, reforma trabalhista. Tais são os sinais que inspiraram o artigo, produzido logo após o término da releitura de O Alienista, de Machado de Assis, na edição lançada pela Editora Antofágica. Uma obra-prima cuja leitura deixa qualquer pretenso escritor, no mínimo, inspirado. E como tenho este espaço semanal, por que não me aventurar?

Acompanhando as desventuras de Simão Bacamarte e sua luta contra a insanidade geral, compreendi que a área trabalhista padece do mesmo problema. A diferença é que aqui não tratamos de "doudos" que seriam recolhidos à "Casa Verde", mas de doutos aprisionados por narrativas. A escravidão como resultado da terceirização regulamentada pela reforma trabalhista é uma delas.

Tal qual o ilustre médico alienista, podemos separar nossos doutos em três espécies: os que acreditam nas narrativas; os que usam as narrativas, pouco importando a verdade; os que sabem que se trata de uma mera narrativa, mas ficam omissos.

A primeira categoria, dos que acreditam nas narrativas, geralmente composta por estudantes, induz uma afeição quase contagiosa. Não se verifica aqui nenhum tipo de malícia, nada que pudesse desabonar a conduta dos seus integrantes, muito ao contrário. O que move sua vontade é o desejo de ser caridoso, de identificar um tutelado que precisa ser protegido de um grande inimigo, geralmente chamado abstratamente de "capital", mas que acaba por atingir concretamente um dos lados da equação, o empregador.

Pode acontecer de os doutos da primeira categoria findarem por migrar em algum momento da carreira, isso para os guerreiros que não abandonarem a causa, na medida em que a visão vai se ampliando e as narrativas começam a não encontrar eco na realidade.

O segundo tipo, os que usam da narrativa, pouco importando a verdade, constitui, sem qualquer dúvida, o mais problemático, já que não adianta tentar reverter o quadro, não se trata de mero engano ou falta de experiência, mas de necessidade de a narrativa se sustentar para que o estado das coisas não se altere.

Aqui, penso, se insere a maioria dos atores trabalhistas atuais, cada um antevendo um futuro não muito auspicioso para as relações trabalhistas celetistas, desesperados para a manutenção da forma com que as coisas sempre funcionaram, para assim manterem seus próprios sustentos. Tipo perigoso, pois qualquer um que ouse trazer a verdade à tona se transforma em verdadeiro inimigo.

Da terceira categoria, a dos que sabem da narrativa, porém ficam omissos, dela nada se pode exigir. Trata-se, no mais das vezes, de sobrevivência ou de cansaço. Talvez seja a escolha mais inteligente, por certo que as coisas evoluirão independentemente do desgaste de agir contrariamente ao avestruz.

Dizer que a terceirização da reforma trabalhista é a grande culpada do trabalho análogo à escravidão constitui, simplesmente, uma narrativa falsa. E nem é preciso mais que o resto deste artigo para explicar.

Primeiro, porque a terceirização da atividade-fim foi considerada constitucional por quem de direito, o Supremo Tribunal Federal. Logo, mesmo que a reforma trabalhista não tratasse do tema, o estado de coisas seria o mesmo. Na verdade, pior, porque não haveria nenhuma regulamentação específica criando os freios necessários para utilização desse instrumento, tal como criado pela reforma.

Segundo, porque a tentativa de imputar à terceirização a produção de trabalho escravo é antiga, mesmo na "época de ouro" em que apenas a tal da atividade-meio era "terceirizável", seja lá o que isso significava. Basta ver notícias do período anterior à reforma, como na publicação de 24/6/2014 do site Repórter Brasil.

Terceiro, porque a regulamentação da reforma trabalhista ampliou a proteção ao trabalhador terceirizado, como por exemplo:

1. Necessidade de capacidade econômica compatível pela prestadora de serviços, com capital social mínimo conforme a quantidade de empregados;

2. Isonomia de tratamento aos trabalhadores terceirizados em relação aos efetivos da empresa contratante;

3. Utilização do trabalho apenas no objeto específico da terceirização;

4. Responsabilidade direta da contratante pelo ambiente de trabalho dos trabalhadores terceirizados;

5. Responsabilidade subsidiária da contratante pelos direitos trabalhistas independentemente de culpa nas atividades privadas.

Antes da reforma trabalhista basicamente utilizava-se a terceirização por força de Súmula do Tribunal Superior do Trabalho, de número 331, onde tudo dependia de interpretações e construções doutrinárias que, ao fim e ao cabo, estavam na maioria em divórcio com a Constituição Federal (não sou eu quem diz, mas o STF).

O silogismo, portanto, terceirização-reforma-escravidão, não se sustenta. Ou é entoado por quem acredita na narrativa, ou quem por ela pretende algum proveito. Como não tenho instinto de sobrevivência e (ainda) não me cansei, e falta-me a inteligência, fica aqui minha análise.

E para agradar ao comentarista, nada melhor que um "defensor da escravatura" também defender que a reforma trabalhista não produziu escravidão. Pensando bem, talvez falte uma última categoria de doutos trabalhistas, na qual me incluo. Aquela que se autoenclasura dentro da verdade. E vamos ver por quanto tempo até sucumbirmos, nós, "bacamartes".


Com informações: Otavio Torres Calvet.

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