Coluna Fragmentos: As “moças de família” e os lingeries | aRede
PUBLICIDADE

Coluna Fragmentos: As “moças de família” e os lingeries

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

Publicidade da Valisere apresentando a sua coleção de lingeries para o ano de 1957. JM, 07 de maio de 1957
Publicidade da Valisere apresentando a sua coleção de lingeries para o ano de 1957. JM, 07 de maio de 1957 -

João Gabriel Vieira

@Siga-me
Google Notícias facebook twitter twitter telegram whatsapp email

No século XIX um rigoroso conceito geométrico tomou conta da alfaiataria: enquanto para os homens as roupas eram concebidas a partir da forma da letra “H” (expressando a verticalidade, vitalidade e a sobriedade masculina), para as mulheres deveria prevalecer a forma da letra “X” (com cintura fina, bustos e quadris fartos, acentuando o papel maternal feminino).

Essa concepção, que manifestava ao mesmo tempo um conceito de moda e o papel da mulher na escala social, é herdeira da estética renascentista que exaltava a beleza feminina e despertava a sensualidade e o erotismo ao valorizar principalmente os seios. Porém, no início do século passado as mulheres não foram vistas apenas como seres carregados de beleza e erotismo. Paralelo a essa perspectiva, havia uma grande preocupação com as moças no sentido de forja-las para o casamento e também para que aprendessem a ser comandadas pelos pais e maridos.

No caso do Brasil, é exatamente no início dos Novecentos que proliferam os colégios para as “moças de família”. Logo após aprender a ler e a escrever em casa, as meninas eram mandadas para os colégios – geralmente dirigidos por freiras – onde eram educadas para o casamento. Nesse sentido, a religião desempenhou uma função essencial, pois coube aos princípios religiosos a disseminação e fortalecimento de valores baseados nas restrições, temores e culpas, todos ligados a noção do pecado da desobediência.

Com o passar do tempo, tais valores foram paulatinamente mudando. Transformações na sociedade brasileira (como o avanço da urbanização e da industrialização), a ocorrência da II Guerra Mundial (que levou as mulheres a ocuparem novos espaços no mercado de trabalho), uma maior escolarização, a disseminação de novas ideias a partir dos veículos de comunicação de massa como o cinema, as revistas e a nascente televisão, contribuíram para que as mulheres percebessem que poderiam e deveriam exercer funções e ocupar espaços até então predominantemente masculinos. Contudo, não é possível deixar de observar que ainda se mantiveram diferenças notáveis entre os gêneros e que as maiores cobranças morais e sociais continuavam a recair sobre as mulheres. O cuidado com a casa, com o bem estar da família e a renúncia de tudo que era proporcionado por uma vida mais pública do que privada, ainda se constituíam no padrão dominante entre o gênero feminino.

Apesar disso, as mulheres aos poucos foram percebendo que a sensualidade e o erotismo, assim como busca pela beleza e pelo prazer, era algo possível e legítimo, e que nada tinha de pecaminoso ou imoral. Ao mesmo tempo, se consolidavam no Brasil as fábricas voltadas para a produção de peças de vestuário íntimo feminino. O encontro entre um contexto histórico que possibilitava a mulher se compreender como alguém equivalente e não inferior ao homem, a profissionalização da publicidade e o incremento da produção industrial de peças íntimas no Brasil, acabou contribuindo para o surgimento de um novo cenário sociocultural em nosso país e, por consequência, também em Ponta Grossa.

.

O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 24 de maio de 2009.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

PUBLICIDADE

Participe de nossos

Grupos de Whatsapp

Conteúdo de marca

Quero divulgar right

PUBLICIDADE