Coluna Fragmentos: Muares, trens e “fenemês” | aRede
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Coluna Fragmentos: Muares, trens e “fenemês”

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

Publicidade da Mecânica Justus e Feltrin, publicada no JM em 30 de abril de 1957
Publicidade da Mecânica Justus e Feltrin, publicada no JM em 30 de abril de 1957 -

João Gabriel Vieira

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Quem tem 40 anos de idade (ou mais) certamente se lembra de um caminhão que marcou o início da indústria automobilística brasileira e que foi produzido, entre as décadas de 1950 e 1960, pela Fábrica Nacional de Motores (FNM). O velho “fenemê”, como era popularmente chamado foi o primeiro caminhão feito no Brasil e simbolizou uma mudança estrutural no sistema de transporte em nosso país.

Até a década de 1950 a ferrovia exercia a função de principal meio de transporte de cargas e de pessoas no Brasil. Porém, sobretudo a partir da chegada de Juscelino Kubitschek à presidência da República, o Estado brasileiro rapidamente diminuiu o investimento no setor ferroviário e passou a se preocupar com a abertura e a melhoria de estradas em todo o território nacional, viabilizando a chegada da indústria automobilística ao país. Foi nesse contexto que a Fábrica Nacional de Motores passou a produzir o mais popular caminhão já feito no Brasil.

O nascimento da FNM está associado as negociações entre o Brasil e os Estados Unidos durante a II Guerra Mundial. Desde o final da década de 1930 o governo brasileiro estudava a possibilidade de implantar uma fábrica de motores de aviões, porém não dispunha de recursos para tal fim. Quando da entrada do Brasil no conflito ao lado dos Aliados, os Estados Unidos – em contrapartida – investiram um considerável volume de capital em nosso país, possibilitando ao presidente Getúlio Vargas aplicar os recursos na instalação da indústria de base brasileira. Foi assim que nasceram, por exemplo, a Companhia Siderúrgica Nacional, Companhia Hidrelétrica do São Francisco e a Fábrica Nacional de Motores.

Sua unidade de produção foi instalada no distrito de Duque de Caxias, estado do Rio de Janeiro, iniciando suas atividades em 1943 e produzindo os primeiros motores para aviões três anos depois. Ainda em 1946, no imediato pós-guerra, um decreto presidencial assinado pelo General Eurico Gaspar Dutra transformou a FNM de estatal em uma companhia de capital misto. Daí até 1949 a fábrica diversificou suas atividades, produzindo também geladeiras e bicicletas.

Em 1950, após uma breve e fracassada parceria com a fábrica italiana Isotta Fraschini Spa, a FNM assinou um acordo de cooperação técnica com a Alfa Romeo, a partir do qual recebeu autorização do governo brasileiro para produzir caminhões em sua fábrica de Duque de Caxias. Nasciam assim os fenemês, pioneiros na tecnologia de motores a diesel em caminhões no Brasil e que logo assumiram – por sua economia e principalmente por sua robustez (apropriada para um país no qual a maioria das estradas não possuía nenhum beneficiamento) – o primeiro lugar em vendas em todo território nacional.

Com a chegada de Juscelino Kubitschek à presidência da República, a FNM e os fenemês conheceram seu momento de maior popularidade e consolidaram seu domínio de mercado, ampliando suas redes de revendas, impulsionando a indústria de autopeças e incentivando a qualificação da assistência técnica em todo país. 

Contudo, a partir do início da década de 1960, esse cenário favorável ganhou novos contornos. Fatores como a entrada da Ford e da General Motors no mercado brasileiro e, principalmente, a política econômica adotada por Jânio Quadros, o sucessor de JK, foram decisivos para que a Fábrica Nacional de Motores entrasse em crise irreversível. Em 1966 a fábrica foi vendida para a Alfa Romeo que manteve a produção dos fenemês até 1968. Passados mais de quarenta anos do final de sua produção, o primeiro caminhão produzido no país ainda é possível encontrá-lo rodando, sobretudo em áreas portuárias, zonas rurais e em estradas secundárias no interior brasileiro.

Em Ponta Grossa – cidade que um dia foi fundada pelos tropeiros, que por aqui passavam com seus muares, e que depois viveu um surto de urbanização e industrialização com os ferroviários e os trens da São Paulo–Rio Grande – a Fábrica Nacional de Motores também contou com revendas e assistências técnicas (como a mecânica Justus, Feltrin S.A.), e os fenemês com suas inconfundíveis caras chatas contribuíram, do mesmo modo que as tropas de mulas e os vagões de trem, para o desenvolvimento econômico da cidade e de todo interior paranaense.

O projeto desenvolvimentista de JK

Durante a primeira metade do século XX Ponta Grossa reinou absoluta no interior paranaense. Não havia outra alternativa para pessoas ou cargas que se deslocassem pelo interior do estado a não ser passar por estas terras. Tal realidade conferiu prestígio político e econômico à cidade ao longe de cinco décadas. Este cenário somente mudaria a partir de meados da década de 1950, mais precisamente no momento em que o mineiro Juscelino Kubitschek chegou à presidência da República e estruturou seu projeto de desenvolvimento nacional. O carro-chefe (com perdão do trocadilho) do projeto juscelinista era a implantação de um pólo automobilístico no país e, para tanto, era fundamental ampliar as estradas que cortavam o interior brasileiro. Para alguém que construiu uma nova capital federal em pleno serrado, a idéia da interiorização era quase uma obstinação. Ao mesmo tempo em que novas estradas foram se abrindo, regiões e cidades floresceram Brasil adentro. No caso paranaense, nesse mesmo momento surgiam cidades no norte e no oeste do estado. A somatória desses fatores, ao mesmo tempo em que propiciou a complementação da formação paranaense e a emergência de novas e pujantes cidades, deslocou o eixo político e econômico estadual para além do chamado Paraná Tradicional e provocou uma imediata perda de representatividade dos Campos Gerais e de Ponta Grossa no contexto paranaense.

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 26 de abril de 2009.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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