Crônicas dos Campos Gerais: “Trocadilho” | aRede
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Crônicas dos Campos Gerais: “Trocadilho”

O texto de hoje é de autoria de Rosana Justus Braga. Boa leitura!


Rosana é formada em Letras Português-Francês pela Universidade Católica do Paraná e atua como revisora
Rosana é formada em Letras Português-Francês pela Universidade Católica do Paraná e atua como revisora -

Da Redação

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O texto de hoje é de autoria de Rosana Justus Braga. Boa leitura!

Meu avô tinha comércio em Monjolinho, na época um pequeno vilarejo quase desconhecido de quem vivesse na capital.

Tratava-se de um armazém, daqueles que vendiam de tudo, de selas e arreios a finos tecidos, de espingardas e revólveres a quinquilharias domésticas, de conservas caseiras a ferramentas e pelegos, de atavios femininos a bornais de couro curtido. Sem falar nas tulhas repletas de cereais, as especiarias, o vinho de garrafão, o fumo de corda, as réstias de alho e cebola. E como pérola da casa, a cuca que minha avó trazia todas as manhãs, do forno para o balcão da loja.

Ali, também se vendia cachaça, o famoso dedinho de pinga que fazia a alegria de uns e a desgraceira de muita família de bem.

Assim que meu avô abria as portas, chegava a cuca quentinha, perfumada, revestindo o armazém de inusitado aconchego, um gosto de entrar ali e gastar um bocadinho de prosa, fartar-se de aromas e conversa fiada.

Pois nesse dia, minha avó cuidava da venda, enquanto o avô cochilava a sesta na varanda sombreada. Foi quando o caboclo chegou, cheio de maneiras, e quis ver os cachimbos à venda. A avó colocou a caixa sobre o balcão, já antevendo o que viria, e o sujeito deu de experimentar o fôlego de cada um, pacientemente, puxando o ar de um e outro com vontade, a boca murcha cheia de entendimento.   

Passados os dez pelo beiço entendido, escolheu, finalmente, o que melhor lhe parecera e mandou pendurar a despesa.  A avó, que a esta altura já gastara a paciência que tinha, disparou:

— Aqui não se vende fiado; se tivesse dito que não tinha com que pagar, o senhor não teria perdido o seu tempo, nem eu o meu...

Vexado, mas sem perder a galhardia, o caboclo desembaraçou-se como pôde da situação embaraçosa:

— A dona que me “descurpe”, fica o dito pelo não dito. O cachimbo, então, eu não levo, mas o pito eu levo.

Minha avó, a quem não escapavam as sutilezas da alma humana, deixou-nos esse precioso registro. 

Texto produzido no âmbito do projeto Crônicasdos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais 

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