Crônicas dos Campos Gerais: 'Cemitério em Harmonia' | aRede
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Crônicas dos Campos Gerais: 'Cemitério em Harmonia'

O texto de hoje é de autoria de Ana Flávia Braun Vieira. Boa Leitura!

Ana possui licenciatura em História, mestrado em Ciências Sociais Aplicadas e é doutoranda em Ciências Sociais pela UEPG.
Ana possui licenciatura em História, mestrado em Ciências Sociais Aplicadas e é doutoranda em Ciências Sociais pela UEPG. -

O texto de hoje é de autoria de Ana Flávia Braun Vieira. Boa Leitura!

Quando olho para trás, lembro-me como tive uma infância e uma juventude feliz em Monte Alegre, comunidade também conhecida como Harmonia. Na Vila Operária, onde meus pais e eu morávamos, não havia muito o que fazer. Os jogos de futebol acabavam sendo uma atividade que mobilizava as pessoas, tanto para jogar quanto para assistir (confesso que acompanhava mamãe e meus irmãos em todos os jogos, mas ia mesmo paquerar!). Além do futebol, os dias santos também eram festivos. Nessas ocasiões, tirava do armário meu melhor vestido, fosse para participar da procissão de Páscoa ou para a missa do Galo.

Particularmente, sempre gostei muito do feriado de Finados, principalmente das histórias de visagem, de aparições. Para mim, ir ao cemitério era desafiar o sobrenatural. Além disso, sempre em 2 de novembro, os arredores do Cemitério de Harmonia viravam um verdadeiro ponto de encontro: amigos e parentes matando as saudades, barracas vendendo alimentos, senhoras reunidas rezando o terço, crianças birrando ao portão temendo entrar... Outra coisa que me agradava em Finados era a mistura de pessoas. Desde o mais baixo empregado da Companhia de papel até o chefão estavam ali chorando seus mortos e agradecendo a Deus por suas vidas. Como mamãe passava o dia ali vendendo pão, eu sentava num banquinho ao seu lado e ficava horas observando os comportamentos diferentes: os mais bem vestidos, em geral, eram bastante contidos em suas lágrimas e palavras; já o povo do mato, os plantadores e cortadores de pinho, choravam anunciando a todos a razão de suas perdas. Verdadeiras carpideiras!

 Quem vinha de fora sempre saía comentando a respeito do número de criancinhas ali enterradas. Nunca vi tantos túmulos pequenininhos enfileirados (nem quando fomos visitar o túmulo da minha bisavó em Castro!). Ninguém ainda pode me explicar o porquê. Mamãe disse que tem coisas que é melhor deixar no passado e me proibiu de tocar no assunto novamente. Achei melhor, então, nem perguntar para ela qual daqueles era o famigerado túmulo da bruxa. Mas a vela que não apaga, eu mesmo vi e posso atestar para vocês que alguma coisa de sobrenatural há ali naquele cemitério. Talvez sejam os espíritos dos indígenas que foram assassinados ali pertinho, no rio das Mortandades.

Foram tantas histórias ali enterradas...

Foram tantas histórias ali construídas...

Não é justo que agora, simplesmente, desmontem o cemitério assim! Ele é parte da minha história e um patrimônio de toda a Monte Alegre, agora Telêmaco Borba. 

Dona Maria Tereza, março de 2015.

Saiba mais sobre o projeto no site Crônicas dos Campos Gerais.

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