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Imagem ilustrativa da imagem # Estranho sonho

Por Ricieri Giovanni Piana

Ao misterioso homem

Este homem, misterioso ser, que, em meio a uma rua escura iluminada por uma só fonte, desfere um palavreado robusto, agressivo e, em especial, incompreensível contra um pobre miúdo.

Tal voz é, pra dizer o mínimo, intimidadora, e, aos poucos, a incompreensão e a dúvida são tamanhas que o terror passa a dominar a cena.

O homem parece se aproximar cada vez mais da criança; as palavras confusas já soam como golpes, que são desferidos contra o indefeso ouvinte, que permanece imobilizado, como uma estaca.

O temor é tamanho que sequer são proferidos pensamentos. O vento gélido que sai de dentro da alma domina cada vez mais o seu ser: o medo, a violência.

O som parece ser cada vez mais alto, rápido e ofensivo; o ofensor, cada vez maior, mais cruel e terrível — enquanto a criança apavorada se apequena a cada palavra sofrida.

A cena é tão insuportável que o ouvinte só pode clamar para que acorde, acorde... acorde!

Nunca, pois, encontrei um sentido pra esse maldito pesadelo que me acompanhou durante toda a infância. Maldito seja esse misterioso homem que apavorava meus sonhos.

Existia não só frequência, mas até certa intimidade com o pesadelo, que, muito embora conhecido, nunca deixou de ser aterrorizante.

Chegava a reconhecer, mesmo desperto, nos sussurros alheios, a maldita voz do homem, que me visitava até em lucidez.

Depois de tanto tempo sem sua visita, hoje me lembrei dessa pavorosa companhia.

Criança indefesa, oprimida, coitada e sozinha, um dia quer ser como seu grande ofensor: o que ofende sem sequer ser entendido.

Quer a criança ser esse homem que desfere golpes através de uma língua estranha, já que, assim, pode, ao menos, ofender sem correr o risco de ser enfrentado.

Não busca que o ofendido o entenda, mas quer que ele o sinta — como um dia sentiu ele próprio.

Quer retribuir todo o ódio, toda a solidão e o escuro que um dia encarou.

Sendo um homem misterioso que quer se esconder por trás de um dialeto impróprio e nebuloso: palavras vis, que representam o que tem de mais vazio de dentro de si.

Quer a criança mergulhar na angústia, tornar-se essa criatura enérgica, opressora, para só então desfrutar, enfim, da satisfação da ofensa e de tornar-se aquilo que, um dia, sonhou ser.

Ricieri Giovanni Piana é estudante de Direito na Universidade Estadual de Ponta Grossa

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