Debates
# Estranho sonho
Da Redação | 14 de julho de 2025 - 05:33

Por Ricieri Giovanni Piana
Ao misterioso homem
Este homem, misterioso ser, que, em meio a uma
rua escura iluminada por uma só fonte, desfere um palavreado robusto, agressivo
e, em especial, incompreensível contra um pobre miúdo.
Tal voz é, pra dizer o mínimo, intimidadora,
e, aos poucos, a incompreensão e a dúvida são tamanhas que o terror passa a
dominar a cena.
O homem parece se aproximar cada vez mais da
criança; as palavras confusas já soam como golpes, que são desferidos contra o
indefeso ouvinte, que permanece imobilizado, como uma estaca.
O temor é tamanho que sequer são proferidos
pensamentos. O vento gélido que sai de dentro da alma domina cada vez mais o
seu ser: o medo, a violência.
O som parece ser cada vez mais alto, rápido e
ofensivo; o ofensor, cada vez maior, mais cruel e terrível — enquanto a criança
apavorada se apequena a cada palavra sofrida.
A cena é tão insuportável que o ouvinte só
pode clamar para que acorde, acorde... acorde!
Nunca, pois, encontrei um sentido pra esse
maldito pesadelo que me acompanhou durante toda a infância. Maldito seja esse
misterioso homem que apavorava meus sonhos.
Existia não só frequência, mas até certa
intimidade com o pesadelo, que, muito embora conhecido, nunca deixou de ser
aterrorizante.
Chegava a reconhecer, mesmo desperto, nos
sussurros alheios, a maldita voz do homem, que me visitava até em lucidez.
Depois de tanto tempo sem sua visita, hoje me lembrei dessa pavorosa companhia.
Criança indefesa, oprimida, coitada e sozinha,
um dia quer ser como seu grande ofensor: o que ofende sem sequer ser entendido.
Quer a criança ser esse homem que desfere
golpes através de uma língua estranha, já que, assim, pode, ao menos, ofender
sem correr o risco de ser enfrentado.
Não busca que o ofendido o entenda, mas quer
que ele o sinta — como um dia sentiu ele próprio.
Quer retribuir todo o ódio, toda a solidão e o
escuro que um dia encarou.
Sendo um homem misterioso que quer se esconder
por trás de um dialeto impróprio e nebuloso: palavras vis, que representam o
que tem de mais vazio de dentro de si.
Quer a criança mergulhar na angústia,
tornar-se essa criatura enérgica, opressora, para só então desfrutar, enfim, da
satisfação da ofensa e de tornar-se aquilo que, um dia, sonhou ser.
Ricieri Giovanni Piana é estudante de Direito
na Universidade Estadual de Ponta Grossa