Debates
Distopia: ficção ou realidade?
Da Redação | 17 de dezembro de 2024 - 00:57

Por Mário Sérgio de Melo
Distopia é o contrário de utopia. Utopia é um lugar (topos) melhor que este onde estamos. Não uma quimera irrealizável, como alguns estigmatizam o sentido da palavra. Utopia é um sonho alcançável, cuja primeiro passo para ser realizado é ser sonhado. Depois vêm outros passos: planejamento, estratégia, perseverança... Há quem diga que “um sonho bem sonhado é meio caminho andado”.
Distopia é um lugar pior que este que estamos vivendo. Muito se argumenta que nossa civilização atual está caminhando célere para uma distopia. Um paradoxo, visto que nunca antes tivemos tanto conhecimento e tecnologias que, em princípio, deveriam melhorar a vida. Mas evoluímos muito em tecnologias, e regredimos ética e espiritualmente. As potenciais maravilhas que inventamos parecem mais capazes de destruir-nos ou alucinar-nos.
Se lembrarmos os 200 mil anos de existência do Homo sapiens, somos ainda muito jovens, comparados aos primeiros vertebrados, que existem há mais de 400 milhões de anos. Temos ainda o cérebro reptiliano dominante. Ele é regido pelos instintos da agressividade, poder e sexualidade. Impulsos essenciais para a sobrevivência, que foi a principal preocupação de nossos ancestrais humanos até cerca de 10 mil anos atrás. O cérebro límbico (zelo com a prole e o bando), o neocórtex (raciocínio lógico) e o suposto e incipiente cérebro hipofisário (ética, solidariedade e espiritualidade) ainda são submissos ao cérebro reptiliano e seus instintos de preservação da espécie.
É pelo fato de ainda agirmos muito como répteis - os nossos distantes ancestrais - que parece factível imaginar distopias marcadas por injustiças, desigualdades extremas, guerras, miséria, pandemias, crises ambientais, segregacionismo, insanidade e destruição da humanidade e até do planeta. As crises atuais que vivemos já fazem acreditar nisso. Ainda são crises, não chegamos ao ponto do colapso sem salvação. Inúmeros livros, filmes, séries, que ainda classificamos como “ficção científica”, retratam tais distopias: Admirável mundo novo, 1984, Blade Runner, Matrix, Ensaio sobre a cegueira, Laranja mecânica, Idiocracia, Eu sou a lenda, WALL-E, Elysium, Interestelar, Mad Max são só alguns poucos de uma longa lista.
Estaria a imaginação da humanidade antevendo o futuro distópico que estamos construindo? Arsenais nucleares, guerras de extermínio, aquecimento global, endeusamento do mercado e do dinheiro, desinformação, rendição à inteligência artificial, pandemias, séculos de um sistema econômico que cultiva o egocentrismo, a competição, a exploração, a concentração da riqueza, a disseminação da pobreza e o hiperconsumismo não são já evidências suficientes para mostrar-nos que estamos a caminho das imaginadas – ou premonitórias – distopias?
A humanidade encontra-se diante de dilema crucial, e as distopias que a ficção nos apresenta parecem querer alertar-nos: ou aprendemos com os muitos erros que temos cometido, ou logo a barbárie das distopias tornar-se-á realidade.
Mário Sérgio de Melo é Geólogo, professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG