Debates
Reforma da Previdência, pequenos detalhes e o lado humano da discussão
Da Redação | 19 de abril de 2019 - 02:28
Por João Badari
Pense em um senhor da idade, que sofre de Alzheimer e vive
em um asilo. O idoso mencionado recebe por meio do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS), mensalmente, um total de R$ 5 mil.
Contudo, 70% do recebido pelo segurado é destinado à casa de
repouso onde reside e o idoso possui gastos mensais de R$ 8 mil com remédios
para o tratamento de sua doença. O resultado é um saldo negativo da sua conta
bancária todos os meses.
Esse é apenas mais um de tantos casos existentes hoje em que
advogados previdenciários buscam na Justiça o direito ao custeio de remédios
pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O tal caso referido aconteceu em Joanópolis,
município no Estado de São Paulo, e muitas vezes as ações judiciais do tipo são
feitas de forma gratuita pelos profissionais da área devido à gravidade dos
casos e à falta de condições financeiras das pessoas envolvidas em questão.
Atualmente, muito se discute pontos da reforma da
Previdência proposta pelo governo federal como o fim do tempo de contribuição e
as regras de transição colocadas na Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
06/2019. São discussões importantíssimas, mas que deixam de lado muitas vezes
detalhes importantes presentes na reforma que afetam e fazem uma enorme
diferença para camadas mais vulneráveis da população, como os segurados idosos.
Um exemplo é a possibilidade de que seja proibido que o
idoso possa judicializar o seu direito a ter remédios custeados, ou seja, que
possa entrar na Justiça com ações de fornecimento de medicamentos.
É o que pode ocorrer caso seja aprovada a proposta de
Reforma da Previdência hoje em discussão na Câmara dos Deputados. Mas é
possível que, por meio de um projeto de lei com alterações das regras
previdenciárias, o brasileiro acaba por perder o seu direito constitucional à
saúde?
A PEC 06/2019 altera o parágrafo 5° do artigo 195 da
Constituição Federal, de modo que passa a nova redação a determinar que
"nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado,
majorado ou estendido por ato administrativo, lei ou decisão judicial, sem a
correspondente fonte de custeio total”.
A introdução dos termos "por ato administrativo, lei ou
decisão judicial" dificulta o acesso a remédios e tratamentos e é
inconstitucional, pois fere o direito fundamental à saúde presente no artigo 6º
da Constituição. Trata-se de um Direito Social e, logo, cláusula pétrea que
também só poderia ser alterada mediante à convocação de uma Constituinte.
Também não é exagero dizer que a mudança colocada no texto da reforma fere o
Princípio da Dignidade Humana quando proíbe que um idoso possa buscar na
justiça a garantia da proteção de sua saúde. É inconstitucional e desumano.
Além disso, é observável que o projeto da Reforma volta a
tratar de uma matéria em seu texto que não é previdenciária, como quando
determina o fim da obrigatoriedade de recolhimento do Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS) por parte de empresas e o consequente pagamento da
multa de 40% a empregados já aposentados, um tema de caráter trabalhista.
É fato que é necessário que seja realizada uma reforma do
sistema previdenciário no país com o objetivo de resolver o déficit nas contas
do sistema e outros problemas. O governo, do seu lado, ressalta o bilhão de
reais gasto anualmente por conta da judicialização da saúde.
Contudo, é preciso que a discussão saia apenas da questão
financeira e que sejam observadas as discrepâncias sociais existentes no país e
todos os detalhes presentes no projeto. É uma obrigação se manifestar para que
tal mudança não seja aprovada da parte de todos que se atentem para o lado
humano dessa discussão.
João Badari é sócio do Aith, Badari e Luchin Advogados e especialista em Direito Previdenciário.
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