Coluna Fragmentos: Os médicos e a política em Ponta Grossa
A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro
Publicado: 09/09/2023, 00:09
Desde o início do século XX a história de Ponta Grossa traz como uma de suas marcas a intensa participação de profissionais da medicina que, nascidos ou radicados na cidade, se dividiram entre os consultórios ou os hospitais e a câmara ou a prefeitura municipal.
Em 1917, ano marcado por convulsões como a primeira greve geral no Brasil (que também se fez sentir em nossa cidade), um médico que chegara em Ponta Grossa no início do século, fez história ao romper (mesmo que apenas pontualmente) a hegemonia dos Vilela, dos Guimarães, dos Ribas e dos Rosas, que então controlavam o poder local.
Nascido no interior do Rio Grande do Sul, Abraham Glasser, chegou em Ponta Grossa pelos trilhos da estrada de ferro que tornaram a cidade o maior centro urbano do interior paranaense na alvorada dos Novecentos e logo se destacou como médico dos dois hospitais aqui existentes: o Hospital Ferroviário 26 de Outubro e a Santa Casa de Misericórdia. Pouco tempo depois, tornou-se acionista da Companhia Tipográfica Pontagrossense, proprietária do único jornal que circulava regularmente nestas terras e passou a participar da vida política local de modo cada vez mais intenso, até ser eleito prefeito de Ponta Grossa, no ano de 1917.
Nas décadas seguintes muitos outros profissionais da medicina se aventuraram pelo caminho da política, as vezes no mesmo lado da trincheira, outras como adversários. É importante ressaltar que em muitas ocasiões tais profissionais formaram eleitorado a partir de suas práticas cotidianas como esculápios. As consultas gratuitas (ou retribuídas com um “Deus lhe pague”) e os atendimentos domiciliares ou “fora de hora”, acabaram “fidelizando” muitas pessoas que, de pacientes, se transformaram em eleitores fieis.
No ano de 1954, o dr. David Federmann e o dr. Amadeu Puppi fundaram o Hospital São Lucas, estabelecendo fortes vínculos com a população de Ponta Grossa e, ao mesmo tempo, iniciando uma longa e sólida carreira política. Puppi foi vereador e vice-prefeito (chegando a exercer o cargo de prefeito por cerca de dois anos no início da década de 1970). Por sua vez, Federmann, ao contrário do que previu a matéria publicada pelo JM em 1955, não foi eleito prefeito de Ponta Grossa, mas, por mais de duas décadas, ocupou uma cadeira na Assembleia Legislativa do Paraná como Deputado Estadual.
Vale destacar que, nesse mesmo período, outros profissionais locais disputavam espaços tanto no campo da medicina, como na área da política. Exemplo inevitável, a figura do dr. Bartholomeu Lisboa, patrono do Hospital Bom Jesus (fundado em 1962) que exerceu forte atuação como cabo eleitoral de diversas figuras da vida política local e estadual nos anos 1960 e 1970 e foi eleito vice-prefeito na gestão do engenheiro Cyro Martins, no ano de 1969.
Mesmo com o passar do tempo, tal tradição se mantém viva em nossa cidade até os dias atuais. A história política recente de Ponta Grossa é marcada por um grande número de profissionais médicos que se valem do capital social conquistado nos espaços de cura para disputar e exercer cargos públicos em nossa cidade.
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Hospital São Lucas
Na década de 1950, Ponta Grossa já contava com dois hospitais de grande porte e bastante tradicionais: o Hospital Ferroviário 26 de Outubro (fundado em 1906) e a Santa Casa de Misericórdia (inaugurada em 1912). Além deles, desde a década de 1930 passou a funcionar na cidade o Hospital Infantil Getúlio Vargas. Com o crescimento urbano e demográfico de Ponta Grossa, novas demandas surgiram no campo médico sanitário e estimularam os médicos locais a investirem na abertura de novas estruturas hospitalares. Foi nesse contexto que em 1953 – e em meio as comemorações oficiais pelo Centenário do Paraná – o dr. Lauro Justus inaugurou a Maternidade Sant´Ana, primeiro estabelecimento dedicado exclusivamente ao atendimento de grávidas e parturientes. No ano seguinte, uma reunião entre os drs. David Federmann, Amadeu Puppi e Nadir Silveira, resultou na criação do Hospital São Lucas, instituição que, por décadas atendeu à população ponta-grossense, até seu fechamento no final do século passado. Depois de ser administrado pela Prefeitura Municipal e servir como Pronto Socorro, desde 2022, o antigo Hospital São Lucas foi repassado para a Universidade Estadual de Ponta Grossa, e passou a se chamar Ambulatório Universitário Amadeu Puppi.
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Conteúdo inédito.
Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.