Coluna Fragmentos: Dom Ivo Lorscheiter, o clero e os “anos de chumbo” | aRede
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Coluna Fragmentos: Dom Ivo Lorscheiter, o clero e os “anos de chumbo”

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

Matéria publicada no JM em 22 de julho de 1971. Nela, Dom Ivo Lorscheiter se pronuncia contra a política econômica do governo liderado pelo general Emílio Garrastazu Médici
Matéria publicada no JM em 22 de julho de 1971. Nela, Dom Ivo Lorscheiter se pronuncia contra a política econômica do governo liderado pelo general Emílio Garrastazu Médici -

João Gabriel Vieira

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No último dia 21 de abril cerca de 3 milhões de pessoas (segundo a organização do evento) se comprimiram diante de um misto de altar e palco, no formato de uma catedral, armado no autódromo de Interlagos, em São Paulo. O objetivo do público era acompanhar a “showmissa” do padre Marcelo Rossi. O evento serviu para a gravação de um DVD comemorativo aos dez anos de evangelização do religioso.

Dividindo as atenções do público, estavam pesos pesados do mercado fonográfico nacional como Ivete Sangalo, KLB e os pseudos sertanejos Chitãozinho & Xororó e Bruno & Marrone. Todos com imenso apelo popular. Nenhum, porém, conhecido por posicionamentos ou engajamentos nos campos social ou político, a não ser em aparições em campanhas do tipo Criança Esperança e similares.

Confesso que quanto mais vejo o padre Rossi com suas músicas “evangelizadoras”, com sua imensa desenvoltura diante de uma câmera de TV e com sua infinita capacidade de comercializar produtos, mais sinto saudade de figuras que marcaram a história recente da Igreja Católica no Brasil.

Entre as décadas de 1960 e 1980, momento caracterizado pelo uso de uma violência institucionalizada, pelo autoritarismo e pelo desrespeito aos direitos básicos dos cidadãos, diversos integrantes do clero brasileiro assumiram uma postura extremamente corajosa e desafiadora. A luta pela redemocratização do país e pelo fim da ditadura militar deve muito a esses religiosos.

Figuras como dom Mauro Morelli, dom Paulo Evaristo Arns, dom Aloísio Lorscheider, Frei Beto, Frei Tito, Leonardo Boff, dom Luciano Mendes de Almeida, dom Antônio Fragoso, dom Hélder Câmara e dom Ivo Lorscheiter, entre outros, tornaram-se peças fundamentais na resistência à ditadura e na retomada da normalidade política em nosso país. Fizeram isso, na maior parte das vezes, sem o apoio dos meios de comunicação. Essa safra de religiosos, proveniente do Concílio do Vaticano II, desenvolveu suas ações fundamentalmente junto às comunidades em que trabalhavam.

A denúncia de torturas e desaparecimentos, o abrigo aos perseguidos políticos, à participação em manifestações públicas, o envolvimento junto aos movimentos sociais e as pastorais foram práticas comuns a tais religiosos.

Para não cometer nenhuma injustiça, lembro que atualmente as religiões (de um modo em geral) se valem dos meios de comunicação de massa para atingir e ampliar seus quadros de fiéis. Desfrutam do avanço tecnológico e também de uma liberdade de expressão que foi conquistada pela via do enfrentamento e da resistência à ditadura.

A proposta principal desta coluna não é a de criticar os adeptos dessa tendência, mas lembrar a postura corajosa de parte do clero católico brasileiro diante do regime ditatorial ao qual o país fora submetido entre 1964 e 1985.

Talvez minha visão quanto ao padre Marcelo Rossi, ao seu estreito contato com a mídia e até mesmo a respeito dos religiosos que enfrentaram a ditadura militar cause mal estar ou contrariedade em alguns dos leitores desta coluna. Até considero isso normal. Como historiador gostaria de lembrar que esta é apenas a minha opinião. Valho-me aqui do já citado direito democrático de liberdade de expressão. Exclusivamente isso. Não espero que minha visão tenha força de verdade, tampouco tenho a pretensão de convencer os leitores de que aquilo que penso seja verdade inquestionável... O mesmo princípio vale para a minha opinião quanto qualidade musical das ivetes, marrones e xororós que acompanham o padre Rossi nas suas “showmissas”!!!

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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.

Publicada originalmente no dia 04 de maio de 2008.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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