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O tão surrado direito ao silêncio e ao juiz das garantias

E a questão a se refletir no momento é: se o réu permanecer em silêncio durante a instrução pode o magistrado se utilizar da versão prestada durante o inquérito para confrontar a prova oral produzida em juízo pela acusação?

Ivan Neto discorre sobre direito ao silêncio e ao juiz
Ivan Neto discorre sobre direito ao silêncio e ao juiz -

Da Redação

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Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela obrigatoriedade de implementação em todo o país da figura do juiz de garantias.

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela obrigatoriedade de implementação em todo o país da figura do juiz de garantias.

Referido instituto foi inserido no Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019, conhecido como pacote anticrime, e, um dos objetivos da lei, é promover uma atuação mais imparcial do julgador, tomando conhecimento do conjunto probatório trazido pelas partes e, assim, dando condições para que se proceda a uma decisão judicial com menos vícios cognitivos, privilegiando o sistema acusatório.

Ao mesmo tempo também, um outro assunto que foi enfrentado durante as audiências da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Congresso, a respeito dos atos golpistas cometidos no dia 08 de janeiro deste ano, é o uso do direito ao silêncio por aqueles que estão sendo investigados, deturpando o verdadeiro sentido do uso desse direito no processo penal pelos parlamentares, segundo a máxima do "quem cala consente", a exemplo da fala amplamente divulgada da senadora Soraya Thronicke.

Assim, a fim de refletir sobre esses dois assuntos e entender como podem estar relacionados, bem como o seu reflexo na justiça criminal, volta-se a primeira indagação do presente texto que tem como base um caso real. 

O uso do direito ao silêncio é constitucionalmente assegurado (artigo 5°, inc. LXIII da CF) e dele não decorre nenhum prejuízo (e nem deve!!), todavia, conforme o caso citado, ao final da instrução, o magistrado valorou negativamente o depoimento prestado em delegacia o qual negava que estaria envolvido com o grupo criminoso para a prática de crime sem dar maiores detalhes, confrontando com os depoimentos prestado pela vítima e testemunha em juízo, visto que o réu havia permanecido em silêncio, sem qualquer menção a outras provas do processo.

Certamente que nesse cenário os depoimentos seriam antagônicos em razão da própria posição das partes em polos distintos, sem embargo, o conteúdo dos depoimentos da vítima e testemunha de acusação não sugerirem o envolvimento do acusado com o grupo criminoso.

Ou seja, bem da verdade é que o silêncio cobrou o seu preço que, neste caso, foi interpretado desfavoravelmente ao réu que não fez prova da sua versão prestada em solo policial.

Vale ressaltar que normalmente o depoimento feito em delegacia carece de formalidade, muitas vezes sem a presença de advogado, contendo um resumo do fato, sem contraditório, ampla defesa e com limitado valor probatório.

Imaginem se, para toda pessoa acusada em um processo penal, que permanece em silêncio em juízo, seja utilizada a versão prestada em sede policial. É o mesmo que forçar o cidadão a não fazer o uso do silêncio sob pena de ser utilizada a versão anterior que lhe é prejudicial.

Isto é, o uso do silêncio no atual modelo processual importa em prejuízo de quem o utiliza em razão do raciocínio enviesado do julgador.

E é aqui a importância do juiz de garantias, evitar, por exemplo, a contaminação cognitiva do magistrado com informações produzidas durante o inquérito policial com a do processo que é o momento no qual será produzida a prova, seja pelo apensamento em cartório dos autos do inquérito ou pelo distanciamento do juiz do processo — que não é aquele do inquérito — com os elementos informativos da investigação, minimizando os vícios conscientes e inconscientes que, desse contato, possa exercer sobre determinada prova produzida em contraditório judicial, preservando a originalidade cognitiva do julgador que é o destinatário da prova.

Esse modo de pensar acabou sendo transportado da psicologia social para o processo penal segundo a teoria da dissonância cognitiva, o qual, em linhas gerais "analisa as formas de reação de um indivíduo frente a duas ideias, crenças ou opiniões antagônicas, incompatíveis, geradoras de uma situação desconfortável, bem como a forma de inserção de elementos de 'consonância'(mudar uma das crenças ou as duas para torna-las compatíveis, desenvolver novas crenças ou pensamentos etc.) que reduzam a dissonância e, por consequência, a ansiedade e o estresse gerado".

Longe de querer exaurir a discussão sobre o tema que pode variar a depender de cada caso concreto, a prática do direito ao silêncio causa, realmente, uma frustração na expectativa do julgador, mas, sobretudo, naquele que teve contato com os elementos informativos do inquérito policial, vez que já formou uma convicção prévia sobre o caso, ainda que de forma inconsciente, permitindo que vá ao encontro e, fique mais propenso a aceitar, informações que guardam conformidade e a desprezar as demais.

Ocorre que essa frustração gerada na expectativa julgador não pode servir de condão para decisões que desrespeitam princípios basilares do processo penal, decorrentes de vícios e presunções.

A prática do direito ao silêncio é insuscetível de qualquer censura e, portanto, não pode prejudicar o réu, neste caso, forçá-lo a produzir uma prova ou contraprova sob pena de ser utilizada a versão dada em procedimento pé-processual com limitado valor probatório.

Por esse motivo existem mecanismos que orientam a decisão judicial, como por exemplo, artigo 186 do Código de Processo Penal segundo o qual "depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas", assim como, pelo parágrafo único do mesmo artigo ao dizer que "o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa'.

Daí reside a hipótese prevista no artigo 386, inciso VII do CPP, que, caso não tenha se convencido o juízo pelas provas produzidas em contraditório judicial apresentada pela acusação, a absolvição é medida que deve se impor em respeito a presunção de inocência e ao in dubio pro reo.

Em caso recente, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 2.037.491–SP [6], reconheceu que o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo interpretou o silêncio em prejuízo ao réu, isso porque, segundo o tribunal local "Fosse verdadeira a frágil negativa judicial, certamente o réu a teria apresentado perante a autoridade policial, quando entretanto, valeu-se do direito constitucional ao silêncio, comportamento que, se por um lado não pode prejudicá-lo, por outro permite afirmar que a simplória negativa é mera tentativa de se livrar da condenação".

Na decisão do REsp, a linha argumentativa do TJ-SP demonstra que "só seria razoável reconhecer credibilidade ao que o declarante disse em juízo se antes, em solo policial, já houvesse optado por não se manter ao silêncio; como se quem decidisse pelo silêncio diante da polícia fizesse por merecer automática deflação de sua credibilidade. A lógica da que partiu o tribunal foi de que ou bem o cidadão se declara perante a autoridade policial — e assim ressalva a sua credibilidade para momentos processuais futuros — ou bem, ao não se declarar diante da autoridade policial, o cidadão despe-se irremediavelmente de toda e qualquer credibilidade caso venha mesmo a ser processado(...)".

Apesar do caso acima ser um pouco diferente do que enfrentamos no início do texto, serve-nos para indicar os subterfúgios utilizados nas decisões que acabam por esvaziar o direito que todo cidadão possuí ao silêncio, independentemente do momento em que se opera.

A única presunção aceita por parte do julgador quando uma pessoa acusada se utiliza do direito ao silêncio é a da inocência, a de não produção de prova contra si mesmo e a de que, na dúvida, sobre ter essa pessoa envolvimento ou não em algum um crime, prevalecerá, a sua absolvição.

Assim, percebemos, infelizmente, que essa linha de entendimento conforme os preceitos normativos, vêm sendo prejudicada em detrimento de um cenário ingênuo e perigoso no qual muitos acreditam em uma "blindagem cognitiva do julgador", mas que já estão com os dias contados em virtude de todas as implicações trabalhadas no presente texto.

Com informações: Assessoria da imprensa. 

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