Vistoria revela abandono de oficinas ferroviárias e ameaça ao patrimônio em PG
Juiz aponta outros 400 imóveis em análise para regularização, enquanto especialistas alertam para perda da identidade ferroviária e falta de políticas de preservação
Publicado: 05/10/2025, 16:23

A Justiça Federal do Paraná realizou, em 16 de setembro, uma vistoria na antiga oficina ferroviária de Ponta Grossa, no bairro Oficinas, e constatou abandono generalizado do espaço. O juiz federal Antônio César Bochenek, da 2ª Vara Federal de Ponta Grossa, é responsável pelo caso, e registrou em despacho que o local está tomado por lixo, carcaças de veículos e sinais de incêndios, sem qualquer cuidado ou manutenção. Ele também revelou à equipe de Jornalismo do Grupo aRede que cerca de 400 casas situadas próximas às áreas ferroviárias da cidade estão em análise e precisarão ser regularizadas.

A ação judicial foi movida pela Defensoria Pública da União (Dpu) contra a concessionária Rumo e órgãos públicos, buscando medidas concretas para lidar com ocupações irregulares ao longo da malha ferroviária. O processo envolve ainda órgãos como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (Antt) e a Prefeitura Municipal de Ponta Grossa (PMPG). Com a vistoria, foi notada uma situação contrastante com o Parque Linear, que foi revitalizado, e segue com obras para ampliação.
O pesquisador Leonel Brizola Monastirsky explica que a falta de preservação é um reflexo de descuido com o aspecto patrimonial do planejamento urbano. Segundo ele, o complexo ferroviário do município foi deixado de lado. “As vilas ferroviárias praticamente desapareceram. Algumas casas ainda resistem em Uvaranas e Oficinas, mas sua preservação ocorre mais pelos próprios moradores, que as deixaram da forma como estão após comprá-las, do que por políticas públicas. Sem tombamento, podem ser demolidas a qualquer momento”, afirma.

IMÓVEIS - A equipe do Grupo aRede conversou com moradores de áreas em que o perímetro urbano é atravessado pela malha ferroviária, como na trincheira San Martin, em que uma popular afirmou que mora na região há três anos, e conta que “no início, parecia que toda vez que o trem passava, ele estava dentro da minha casa, mas acabei me acostumando”, referindo-se ao barulho que a locomotiva faz. Hoje, ela afirma que o maior problema no local é o trânsito, visto que o acesso ao bairro se faz pela trincheira de via única, de baixo dos trilhos. Já no Cará-Cará, na avenida Quatorze Bis, moradoras foram consultadas sobre suas residências ao lado do trilho do trem. “É sagrado: todo dia, às quatro e meia da manhã, o trem passa. O barulho me incomoda, e minha casa treme, então eu sempre acordo neste horário”, apesar do relato, a moradora diz se sentir segura em sua moradia.

PATRIMÔNIO - Esse processo de perda patrimonial afeta diretamente a identidade do bairro de Oficinas, que no início do século XX abrigava a maior oficina ferroviária do Brasil, com quase 600 trabalhadores. Hoje, a região é marcada pelo comércio e por novos empreendimentos, restando apenas vestígios do período em que o bairro simbolizava a força ferroviária de Ponta Grossa. “A identidade ferroviária está se apagando, e só um olhar atento consegue perceber os poucos sinais ainda preservados”, reforça Monastirsky.
Além do patrimônio arquitetônico, a conexão da malha ferroviária com a cidade também foi esvaziada. O urbanista e membro do Conselho da Comunidade do Grupo aRede, Henrique Zulian, destaca que a infraestrutura poderia ter sido aproveitada para transporte coletivo.“Perdemos a chance de integrar a ferrovia à mobilidade urbana. Hoje, a malha de cargas praticamente não dialoga com a cidade”, lamenta.

Zulian aponta que a preservação dos imóveis que fazem referência à memória ferroviária de Ponta Grossa pode melhorar. “Apesar da situação com os galpões da rede ferroviária, temos exemplos positivos. Tanto o Sesc quanto o Hub de inovação na antiga Estação Arte são bem-vindos, aliás, o patrimônio se preserva com mais facilidade a partir do seu uso. Entendo, no entanto, que a forma de preservação ainda é falha. O cercamento com grades de qualidade duvidosa, por exemplo, descaracteriza o entorno e reduz a atratividade e o cuidado coletivo com o espaço público”, avalia.
Para ele, os galpões da rede ferroviária, hoje abandonados, poderiam se tornar centros culturais ou museus, valorizando a história local, uma possibilidade que poderia contornar a insegurança ambiental e social que hoje é apontada pela Justiça. Com a vistoria, foi estabelecido um prazo de 30 dias para que todas as partes apresentem informações sobre a situação dos imóveis, medidas para conter ocupações e processos de cessão das áreas ao município. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) também foi intimado a se manifestar sobre o estado das construções.

Uma nova audiência de conciliação foi marcada para 15 de outubro de 2025, quando se espera que haja encaminhamentos concretos sobre o destino do patrimônio das oficinas. Portanto, as ferrovias ainda estão em situadas em um cenário em que a sua atual condição pode estar impedindo o desenvolvimento da cidade e, a partir disto, as autoridades seguem buscando alternativas para tirar projetos que solucionem tais gargalos logísticos e patrimoniais do papel.