Crônicas dos Campos Gerais: ‘Casa do índio’
O texto de hoje é da professora Marivete Souta. Boa Leitura!
Publicado: 04/03/2020, 11:59

O texto de hoje é da professora Marivete Souta. Boa Leitura!
É mais um dia de trabalho na mesma escola que me espera todas as manhãs. Nesse dia, a pressa não me acompanha e posso ir observando o que há no percurso tão curto entre minha casa e o local onde trabalho há tantos anos.
Meu olhar segue percorrendo o entorno das ruas, passo pelo cemitério São João e penso no quão sou abençoada por poder respirar esse ar fresquinho que enche meus pulmões numa manhã cheia de nuvens, anunciando a música que mais gosto: o som da chuva. As poucas árvores que há em frente às casas já estão desfolhando para deixar espaço para o nascimento de novas flores.
Ao lado da escola uma casa me espia todos os dias, mas hoje ela me chamou para conhecê-la.
É uma casa desbotada pelo tempo, decrépita, a sujeira impera em todas as extensões que meus olhos alcançam. Percebo a fuligem, sinais que ficaram de um incêndio que ocorrera ali. A causa foi uma fogueira feita pelos esporádicos moradores que têm como cultural essa prática. O lixo se acumula por todos os lugares e o odor é desagradável, demonstrando que não há condições básicas para abrigar os fortuitos moradores.
A Casa do Índio – alcunha que tem sua origem devido à serventia que a casa tem -, apesar de seu aspecto reprovável, é a moradia temporária de indígenas que vêm a Ponta Grossa para vender seus artesanatos.
Hoje, pela janela da alma, vejo essa casa e me faço tantas perguntas que nunca fiz. Tantas vezes passei por ela sem reparar que abriga fortuitamente cultura e história.
Penso no chimarrão que tanto gosto... O consumo de erva-mate fria ou quente vem dos indígenas, como também o preparo de alimentos com mandioca, milho e pinhão, como o mingau, a pamonha e a deliciosa paçoca, que me enche a boca de água, alimentos tão comuns em minha mesa.
Penso na guabiroba de sabor doce e suave. No maracujá azedinho, no butiá amarelinho. Capivara, jabuti, cutia, Goioerê, Candói, são palavras de origem indígena que me vêm à mente. Nós absorvemos sua língua, sua cultura, e esquecemos deles, de sua história, de sua contribuição cultural.
Apesar de terem tentado apagá-los de nossa história, a cultura desse povo tão sofrido pela quase dizimação, permanece viva. É uma ideia errada pensar que são um povo atrasado e primitivo, pois onde há um indígena há cultura. O que se poderia fazer por eles? Creio que estaremos dando o primeiro passo quando pararmos não apenas para olhar, mas para enxergar.
Texto escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais