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O produtor rural e o pedido de recuperação judicial
Da Redação | 06 de fevereiro de 2025 - 01:11

Ao fazermos uma retrospectiva do ano de 2024, constatamos um número recorde de pedidos de recuperação judicial no agronegócio. Segundo a Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial, entre produtores rurais como pessoa física, aumentaram 523%. Um número preocupantemente elevado.
O ano de 2024 não foi favorável para o agronegócio, com
problemas que já se manifestavam desde 2023. Duas safras consecutivas ficaram
abaixo do ideal, por causa de questões climáticas, de preço, além de
conjecturas externas (guerras e oscilação política). Contudo, esses fatores
isoladamente não justificariam um aumento tão expressivo nos pedidos de
recuperação judicial. É inegável que alguns escritórios de advocacia também
atuaram para convencer produtores rurais em dificuldades (ou não) de que esse
processo seria uma alternativa viável a ser considerada.
Vale ressaltar também que o instituto da recuperação
judicial nas mãos erradas pode ser sinônimo de planejamento financeiro
equivocado. Conhecemos casos de empresas que usam a recuperação judicial de
modo antiético e temerário, ou seja, conseguem descontos à força, a qualquer
preço, porque os credores são obrigados a conceder o desconto por conta da
ordem judicial. Agem assim como um planejamento financeiro. Renovam a frota,
compram produtos dos fornecedores, substituem o maquinário e, em seguida, pedem
recuperação judicial. Há muita gente usando a recuperação judicial nesse
sentido.
Muitos produtores, sem experiência em todas essas situações,
sem contato prévio com esse tipo de assessoria, optaram pela recuperação
judicial.
Basicamente, o que é a recuperação judicial? A Lei nº
14.112/2020 alterou a Lei de Falências e de Recuperação Judicial (Lei nº
11.101/2005), trouxe a possibilidade do produtor rural pessoa física requerer
um plano de recuperação judicial similar àquele destinado aos microempresários
individuais. Permitindo, desta forma, que produtores rurais pessoa física
solicitassem recuperação judicial. Antes disso, apenas produtores rurais com
registro na Junta Comercial por pelo menos dois anos podiam solicitar o benefício.
De forma simplificada, recuperação judicial é o que antigamente se conhecia
como concordata. Trata-se de um mecanismo utilizado quando uma pessoa ou
empresa não consegue mais cumprir seus compromissos financeiros da maneira
tradicional. É um processo judicial que busca a reestruturação da empresa em
dificuldades econômicas, permitindo a renegociação de suas dívidas por
meio da apresentação de um plano, que deverá ser seguido para o pagamento dos
credores. Mas o que leva uma pessoa ou empresa a recorrer a esse recurso?
Antes que a empresa quebre ou venha a falir, existe a
possibilidade de solicitar a recuperação judicial. A legislação atual é mais
avançada do que a antiga concordata, tendo como principal objetivo permitir que
a empresa se reestruture. Contudo, em muitos casos no setor agropecuário, essa
medida não era realmente necessária, especialmente porque esse processo abala a
credibilidade da empresa e, até mesmo, do nicho de mercado como um todo.
A recuperação judicial permite a organização de todos os
débitos, com exceção dos débitos tributários e daqueles garantidos por
alienação fiduciária. Por isso, atualmente, os bancos utilizam amplamente esse
instituto. Antes, era comum a hipoteca de terras; hoje, adota-se a alienação
fiduciária. Esse mecanismo transfere, praticamente, a propriedade ao banco, que
só exerce seus direitos sobre ela em caso de inadimplência.
Se o juiz deferir o pedido, o solicitante, em regra, dispõe
de seis meses para obter a aprovação do plano, prazo que, em alguns casos, pode
ser prorrogado. A aprovação depende de votação dos credores em assembleia,
quando podem ser negociados descontos e períodos mais longos.
Muitas vezes, os advogados trabalham para que os
agricultores consigam uma redução de 80% de um débito, com prazos de até 20
anos para pagamento.
Analisamos vários pedidos, conhecemos produtores e empresas
envolvidos como credores e concluímos que, em diversos casos, ainda não havia
necessidade desse recurso.
Quem se beneficia com a recuperação judicial? Normalmente, é
o devedor, quando bem feita. E, em casos extremos, os credores acabam sendo
beneficiados também, porque o processo organiza as dívidas e permite que todos
recebam um pouco; ou seja, a vantagem é evitar a falência, como o próprio nome
indica: recuperação.
Em outras situações, os credores assumem parte da operação
do devedor, o que nem sempre pode ser a opção cogitada para aqueles que usam
desse mecanismo.
Imaginemos uma situação: o devedor pede recuperação, faz uma
negociação com um banco que não tinha alienação fiduciária e esse banco entra
no rol de credores. Ele obtém uma redução de 50% do valor dos débitos e parcela
isso em 10 anos. Com esse banco, dificilmente a empresa ou o produtor rural
conseguirá operar futuramente.
Se o empresário ou o produtor rural incluírem nesse processo
praticamente todos os seus financiadores, como trabalharão no curto prazo
depois? Quais serão suas fontes de financiamento? Dificilmente um produtor ou
uma empresa que entrou em recuperação tem lastro ou caixa para isso.
Todas as etapas, tanto a gestão do processo quanto a
manutenção da atividade posterior, com fontes de financiamento e caixa, são
essenciais. A empresa pode sair até mais forte, mas esse mecanismo não pode ser
utilizado de forma precipitada, como vimos em casos recentes, nos quais,
empresas e produtores, inviabilizaram suas atividades futuras.
Há outras soluções antes de se chegar à recuperação
judicial, como parcerias de negócio. Em algumas localidades, o produtor pode
ter um parceiro local para adquirir sua produção ou fornecer insumos. Se ele
tiver opções e estiver bem ciente do que está fazendo, essa é uma alternativa
viável e menos onerosa.
Eduardo Berbigier é advogado tributarista,
especialista em Agronegócio, membro dos Comitês Juridico e Tributário da
Sociedade Rural Brasileira e CEO do Berbigier Sociedade de Advogados.