Debates
Abstenção nas eleições municipais: voto ainda é uma ferramenta prioritária para o cidadão?
Da Redação | 02 de novembro de 2024 - 01:34
Por Dilermando Martins
Por longos anos, o exercício do sufrágio esteve nas mãos de
seletos grupos políticos: no Brasil monárquico, sequer existia, de modo que o
poder era emanado de um único soberano: o Rei. Foi somente com a Constituição
da República, em 1891, que o exercício do voto foi constitucionalmente
garantido – ainda que adstrito a oligarquias e demais categorias sociais que
gozavam de privilégios.
Historicamente, a luta pelo direito ao sufrágio foi árdua e,
somente com a Assembleia Constituinte que daria corpo à nossa Constituição, é
que a universalidade se tornou característica associada ao exercício do direito
político. É na redemocratização que o Brasil e seus cidadãos escrevem uma nova
história.
No último domingo, várias cidades do Brasil passaram pelo
segundo turno das eleições municipais, colocando para o eleitor o dever do
exercício constitucional da cidadania, por meio do voto. A Constituição
brasileira prescreve uma série de garantias acerca dos direitos políticos,
dentre elas o direito ao sufrágio universal, além da proteção intocável do voto
direto, secreto, universal e periódico.
Em 2024, muita coisa mudou e, ao que parece, o exercício do
voto deixou de ser ferramenta prioritária para os cidadãos. Somente em
Curitiba, no Paraná, foram 432 mil eleitores que se abstiveram de votar. Além
de ser um recorde de abstenções, o dado traz outra consequência: o número de
abstenções ultrapassou o número de votos dados à segunda colocada: foram
390.254 votos para a candidata Cristina Graeml (PMB), número abaixo das
ausências registradas no domingo.
Mas, afinal, o que esse dado tem a nos revelar?
Primeiramente, é possível atribuí-lo à facilidade na
justificativa dos votos. Com o aplicativo “e-título”, disponibilizado pela
justiça eleitoral, justificar a ausência nunca foi tão simples, bastando abrir
o app e clicar em “justificar o voto”. A tecnologia, utilizada a favor do
processo eleitoral, merece elogios e revela o quanto essa ferramenta pode ser
fundamental para as eleições.
Não obstante, uma análise mais profunda demonstra um outro
cenário: a insatisfação do eleitor. O crescente contexto de corrupção, aliado à
ausência de propostas concretas de transformação nos municípios, além da
desmoralização dos debates públicos e das trocas de ofensas generalizadas entre
os candidatos, levam o cidadão a crer que o exercício do seu voto não será
capaz de realizar mudanças significativas. O sinal de alerta se acendeu e é
preciso estar vigilante em relação a ele.
Não se pode incutir no eleitorado a ideia de que a
democracia morreu, ou de que o voto possui pouca serventia. Pelo contrário:
está mais do que clara a necessidade de se atentar ao exercício do direito
político como nossa mais potente ferramenta de mudança político-social. Afinal,
aqueles que usurpam o poder dependem – não somente, mas majoritariamente – do
nosso voto de confiança enquanto cidadãos titulares de um poder valioso.
Está mais do que na hora de usar esse mecanismo a nosso
favor, ou veremos amargar a democracia que tanto se almejou nos idos do final
da década de 1980. Que as eleições de 2024 sejam capazes de demonstrar isso ao
povo brasileiro!
*Dilermando Martins, mestre em Ciências Sociais e doutor em
Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). É professor da Escola de
Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).