Debates
Políticas públicas para ressocialização
As secretarias de administração penitenciária estaduais também têm contribuído buscando assegurar o cumprimento da legislação dos Direitos Humanos
Da Redação | 05 de setembro de 2024 - 00:33
Por Eduardo Brim Fialho
Na necessária modernização estrutural do Brasil está a
implementação de políticas públicas que melhorem as condições sociais da
população carcerária para sua reinserção na sociedade. A Lei de Execução Penal
– LEP - dispõe sobre a visitação familiar, assistência jurídica pela Defensoria
Pública ou advogados, além das assistências à saúde, psicológica, material,
religiosa, social, laboral e, principalmente, a assistência educacional, que
são aspectos básicos para ressocializar os indivíduos ali custodiados. Mas há,
ainda, muito trabalho a ser executado.
As secretarias de administração penitenciária estaduais
também têm contribuído buscando assegurar o cumprimento da legislação dos
Direitos Humanos em seus estabelecimentos, ação fundamental para garantir
dignidade e recuperação dos indivíduos neles alocados.
Naturalmente, há imensas polêmicas sobre o tema e elas não
terão total convergência tão breve, mas é necessário sempre analisar e avaliar
a eficácia das políticas públicas voltadas para a ressocialização de internos,
sendo necessário, portanto, que toda a sociedade civil organizada possa e passe
a sugerir melhorias dentro deste relevante e urgente tema.
Uma das grandes protagonistas na reinserção na sociedade de
egressos do sistema penal tem sido, ininterruptamente, a educação formal. Só
com o conhecimento o ser humano pode aumentar seus horizontes. Hoje, é possível
elevar a cognição do indivíduo com programas dirigidos à alfabetização, ensino
fundamental e médio, bem como a capacitação e treinamento profissional.
Parcerias com instituições educacionais extramuros já representam caminho desta
assertividade. Além de enobrecer, o conhecimento faz uma verdadeira
higienização mental com a mudança dos focos de interesses.
Entre as políticas públicas de ressocialização que têm sido
adotadas há muito tempo, está a horticultura comunitária e pode ser
potencializada transformando essas áreas de cultivo em unidades de agronegócio,
com maior valor agregado no produto final. Além disso, no aspecto
comportamental o cultivo pode ter o papel de importante instrumento de
laborterapia, a terapia do trabalho. Isso significa que o preso tem um recurso
de transformação dele próprio, assim como nas suas relações com os colegas,
família e a sociedade. O trabalho agrícola é tonificador e ao mesmo tempo
catártico, criando habilidades pessoais que vão fortalecer a autoestima da
pessoa.
Neste sentido, a culinária é outra ocupação que pode
colaborar muito com a ressocialização de reclusos. O ofício de cozinhar é
lúdico, educativo, comportamental, profissionalizante e ao mesmo tempo tem a
função de garantir a sobrevivência e aprovisionamento ao fornecer alimentação
ao semelhante. Hoje em dia, há um incrível interesse das pessoas na gastronomia
e a busca por conhecimentos e informações só tem crescido. Depois da Covid, a
demanda de mão-de-obra especializada no negócio de alimentos é progressiva com
o crescimento do serviço de entrega de refeição (delivery) como também as
cozinhas comerciais e o retorno de restaurantes populares de comida por quilo
ou buffet.
Há outros pontos que também são essenciais. Por causa do
estigma de ter sido cativo num presídio, os egressos do sistema sofrem muito
com o preconceito ao voltar a ter uma vida comum. Portanto, uma política
pública a ser fortalecida são os programas de reinserção no mercado de trabalho
para ex-internos, firmando parcerias e conectando empresas, organizações e
agências de emprego.
Para que haja mais contratações essa ação tem sido repetida
por algumas organizações do sistema prisional e a Diretoria de Prevenção e
Reinserção Social do Ministério da Justiça e Segurança Pública concentra
esforços para que elas cresçam sempre. Vários programas vigentes neste sentido,
por sinal, semelhantes ao do atendimento de minorias poderiam ser adaptados ou
ser inspiradores.
Seria oportuno ainda um projeto de comunicação contra a
‘satanização’ dos condenados judicialmente, porque muitos merecem outra chance
e não se pode generalizar, alinhando simplesmente um sentenciado leve com outro
com penas de centenas de anos e possivelmente irrecuperável. Os testemunhos de
recuperados poderia ser uma abordagem considerável. Algumas igrejas ou serviços
religiosos em unidades prisionais, por sinal, apresentam depoimentos exemplares
de ex-reclusos que foram plenamente recuperados.
Nesta relação de ações de ressocialização de pessoas
privadas de liberdade em unidades prisionais há várias possibilidades e algumas
apresentam e / ou tiveram ótimos resultados.
Na participação da iniciativa privada nos presídios estão
previstos os modelos de cogestão e parceria público privadas, cada qual com
características, incumbências e ações específicas, em nada se confundindo, até
porque ilegal, com a privatização.
Neste momento já é possível citar casos exitosos e
encorajadores como o Conjunto Penal de Itabuna (BA), onde 74 (setenta e quatro)
internos ingressaram em universidades públicas, e também tem desenvolvido as
atividades de remição pela leitura, trabalho e esporte.
Outra expressiva parcela de 68% de internos daquela unidade
prisional também está cursando o ensino formal no Conjunto Penal de Itabuna. Há
ainda um grupo que representa 60% dos internos do Conjunto Penal Masculino de
Salvador que realizou o Exame Nacional para Certificação de Competências de
Jovens e Adultos - ENCCEJA. É importante destacar também que 45% de todas as
inscrições de ‘pessoas privadas de liberdade’ que participaram do ENEM/2023 na
Bahia vieram das unidades em cogestão prisional, indicando a eficiência dos
modelos onde existe a gestão compartilhada com empresas especializadas.
Os programas de ressocialização visando o tratamento digno
ao interno e sua valorização como pessoa e cidadão têm sido adotados em todas
as instituições penais e fazem parte das políticas públicas que devem ser
estimuladas e difundidas no País. Precisam sempre ser exemplares e
impulsionadoras. As políticas e os projetos delas emanados visando a
harmonização familiar também são imprescindíveis na reinserção social de
ex-apenados, porque reduzem a vulnerabilidade de filhos e cônjuges ao
recrutamento pelo crime organizado.
Hoje já é possível atestar, que a gestão compartilhada
executada por empresas especializadas em presídios tem provido meios para que
as pessoas apenadas cumpram seu período de reclusão com dignidade, recebendo
todas as assistências previstas pela Lei de Execução Penal (LEP), e sempre
tendo como objetivo final a reinserção do indivíduo na sociedade civil,
retransformando o cidadão para o convívio familiar, profissional e
interpessoal, fortalecendo sobretudo sua dignidade e esperança de um novo dia,
todo dia.
As empresas especializadas em cogestão prisional associadas
ao Sempre – Sindicato Nacional das Empresas Especializadas em Gestão de
Presídios e Unidades Socioeducativas – apresentam experiências exitosas em
projetos de ressocialização de pessoas que cumpriram pena.
Neste modelo de cogestão prisional uma figura essencial é a
do ‘monitor de ressocialização’. O profissional na verdade tem a
responsabilidade de ser o elo entre a segurança e a equipe de ressocialização.
Basicamente tem o papel predominantemente educativo, buscando reafirmar nos
apenados a crença nos direitos fundamentais, na dignidade e no valor humano,
sem qualquer distinção, focando na promoção do progresso social e nos melhores
padrões de vida para as pessoas privadas de liberdade. Também faz o apoio à equipe
da Polícia Penal lotada na respectiva unidade prisional, equipe esta
responsável, constitucionalmente, pela segurança e inteligência dos
estabelecimentos.
O papel da cogestão especializada no cotidiano de uma
unidade prisional se caracteriza por ser o agente integrador entre a segurança
e a ressocialização. Otimiza a integração destes dois aspectos, possibilitando
o alcance do resultado final por todos pretendido, ou seja, a reintegração
natural da pessoa privada de liberdade à sociedade.
* Eduardo Brim Fialho é presidente do SEMPRE - Sindicato
Nacional das Empresas Especializadas em Gestão de Presídios e Unidades
Socioeducativas.