Debates
O discurso vocativo político
Da Redação | 27 de junho de 2024 - 03:56

Por Alexandre Leidens
Os discursos políticos são sempre interessantes e dão base para análises das mais diferentes quando vistos de perto. Não raro, os oradores caem para um lado um tanto quanto ridículo ou pitoresco, em outras oportunidades dão explicações relevantes, há também os presságios dos quais tendemos para a dúvida e os momentos em que fica difícil prestar atenção no palco. Esses instantes, em particular, acontecem quando usam argumentos ilógicos, trazem ideias visivelmente fora da realidade e sobretudo quando acentuam vícios de linguagem.
A construção frasal que mais tem me chamado a atenção durante os eventos políticos é o emprego irrefreado do vocativo. Prefeitos, vereadores, secretários ou qualquer pessoa do meio parecem ter sucumbido ao seu uso exacerbado. Muitos deles nem sabem, de fato, o que significa um vocativo; no entanto, o utilizam por vício ou talvez por copiarem outros integrantes da classe que também detêm essa característica.
O vocativo é um chamamento, um elemento isolado na frase para buscar a atenção do interlocutor, como quando falamos com um aluno em particular, por exemplo: “João, leia a questão número cinco.”. O vocativo é comum em várias situações numa conversa, discurso ou texto. Se mal utilizado, causa um desalinho na oração e um estranhamento um tanto incômodo no ouvinte. Na política, entretanto, é usado quase instintivamente na busca de uma camaradagem, na ânsia de um sorriso de aceitação, na confirmação de um alinhamento de ideias.
O problema é quando um integrante da roda política usa o vocativo várias vezes na mesma frase, entrecortando-a inteira e escondendo a informação. E, não bastasse isso, abre janelas narrativas, contando histórias sem relação com o assunto. Na apresentação de um projeto, por exemplo, é normal ouvir algo do tipo: “Então, prefeito, nós fizemos um trabalho, seu Zé, que começamos, vereador, da forma, Jorge querido amigo de longa data, que era possível, seu Januir, lá no início da gestão, não é, prefeito, e pensamos, vereadora Maria, que seria bom, professora Marta, minha professora, me deu aula há trinta e tantos anos quando eu era só um garotinho lá do interior, saudades da senhora, lembro até hoje da tabela periódica que a senhora nos ensinava lá na escola, pessoal, uma salva de palmas para a professora Marta, meus sinceros agradecimentos... (minutos de parada para as palmas e com comentários inaudíveis) bem, então, vereadores, foi decidido por nós na prefeitura, com ajuda do prefeito aqui presente, não fazer igual aos outros mandatos.”.
Impossível não notar um misto de enrolação e puxa-saquismo. É óbvio que é pertinente a aproximação com o público e também a utilização do vocativo, vez ou outra; porém, saber usá-lo é condição precípua para tal, uma vez que a recorrência na mesma frase tira a atenção do ouvinte e deixa enfadonha qualquer explicação. Ademais, prefiro acreditar que ninguém ganha apoio político usando construções estapafúrdias, colocando, quando pouco, cinquenta vocativos em dez minutos de fala.
Não quero propor uma volta à oratória grega, tampouco exigir seriedade e formalidade; não obstante, o uso contínuo de vocativos não formaliza o discurso, muito dificilmente aproxima o orador do público (quando não o intimida), e também não ajuda na transmissão da mensagem. Às vezes, bons trabalhos são apresentados de maneira equivocada por despreparo ou desatenção à clareza das informações. E, infelizmente, é comum também aparecerem discursos vazios e embromados, com pouco ou nenhum sentido, se utilizado dos seguidos vocativos e de qualquer subterfúgio para escamotear a falta de argumentos ou os resultados questionáveis. Por fim, amigo leitor, vale ressaltar que ser claro é sempre importante. Caso você tenha amizade com algum político municipal ou regional, transmita a ele essa mensagem. Creio que não apenas eu, mas boa parte da população, clama por menos vocativos recorrentes e mais clareza, ou menos enrolação e mais trabalho.
Alexandre Leidens, Mestre em Letras pela UTFPR/Pato Branco. Gestor de cultura em Bela Vista do Paraíso/PR, realiza pesquisas acadêmicas sobre literatura e crítica literária, escreve sobre assuntos do cotidiano.