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A desfaçatez e a placidez da Vila Placidina

Imagem ilustrativa da imagem A desfaçatez e a placidez da Vila Placidina

Por Mário Sérgio de Melo

Moramos em Ponta Grossa há 27 anos. Viemos escapando do furdunço de São Paulo, onde morávamos numa região não distante do centro, muito movimentada. Aqui na nova cidade, escolhemos uma rua tranquila: a Nestor Guimarães. Rua bucólica, num bairro pacífico até no nome: Vila Placidina. E, ao longo dos anos, tratamos de transformar nosso novo lar num lugar cada vez mais calmo e agradável: plantamos frondosas árvores na calçada em frente, três frutíferas no pequeno jardim para atrair os pássaros; habituei-os com frutas colocadas todo dia num comedouro pendurado na caramboleira, quirera esparramada pelo chão, bebedouros com água adocicada pendentes do beiral da casa.

Nosso jardim tornou-se um verdadeiro santuário. Ele atrai canários, avoantes, rolinhas, bem-te-vis, joões-de-barro, sabiás, saíras, guaxos, corruíras, cambacicas, beija-flores, às vezes até o vistoso e arisco tié-sangue. As árvores abrigam vários ninhos, na época dos filhotes temos de evitar que as cachorras da família escapem para o jardim. Seria o fim prematuro dos pequenos apressados que saltam do ninho mas ainda não sabem voar. Minha filha, com a infância povoada pelos pássaros que via pela janela da sala, escreveu o livro infantil “A menina e o passarinho”, que foi seu aplaudido trabalho de graduação no curso de Design Gráfico.

Enquanto Ponta Grossa crescia e se agitava, nossa casa permanecia aquele recanto plácido, onde nos refugiávamos aliviados depois da azáfama de cada dia. As mudanças começaram com a construção de prédios altíssimos. Até que, nesta primavera de 2023, soubemos, pelo noticiário, que o tráfego na Nestor Guimarães, e no bairro, iria mudar. Estávamos então fora da cidade, talvez um capricho da providência. Quando retornamos, demos com o sentido do tráfego na rua invertido, e o todo trânsito de retorno do Jardim América passando defronte de casa.

Tenho o hábito de, bem cedo pela manhã, por uma hora, praticar o Tai-Chi na sala de casa, janela aberta para o jardim. Enquanto me exercito, divirto-me observando o alvoroço dos pássaros nas árvores, nas frutas, na quirera, nos bebedouros. Agora, com as mudanças, no intervalo de uma hora dez ônibus vindos do Jardim América, mais alguns barulhentos caminhões, afugentam os pássaros da antes tranquila Nestor Guimarães.

Não conversaram com os moradores a respeito das mudanças no bairro. Não explicaram a razão das alterações. Aliás, aos olhos de um leigo, a mudança parece um desatino injustificável: transferiram o tráfego pesado de uma avenida larga e movimentada para uma estreita e antes pacata rua de bairro.

Espigões de enormes prédios têm-se agigantado entre as moradias da Vila Placidina, desdenhando o impacto sobre os antes acolhedores, ensolarados, silenciosos e despojados lares. Agora, o inexplicável tráfego na rua que era tranquila vem reafirmar que a desfaçatez é marca inevitável do crescimento sem planejamento.

Mais uma vez, lamentavelmente, “Adeus à placidez da Placidina”.

Mário Sérgio de Melo é Geólogo, professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG

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