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Imagem ilustrativa da imagem Livros na fogueira

Por Mário Sérgio de Melo

Não gosto do abuso nas mídias sociais, procuro usá-las o menos possível. Mas recebo muita coisa que indica que estamos regredindo no diálogo, inversamente ao prodigioso avanço na tecnologia de comunicação. Ou seria de doutrinação?

Recebi vídeo no qual uma encanecida senhorinha, com ares de bondosa avozinha, queimava livros de Paulo Coelho na churrasqueira. Ela não estava para ternuras, estava enraivecida. Com palavrões ofendia o autor dos livros, acusando-o de canalha, comunista, petista que fala mal do Brasil e boicota os produtos do país. Furiosa, dizia ter lido já dez livros do Mago, enquanto, arrancando as páginas de um deles, ia jogando-as sobre as labaredas e desfiando seu rosário de imprecações. Finalizou esconjurando o autor para o inferno.

Nunca curti Paulo Coelho. Não gosto do estilo, do gênero. Como diria uma saudosa amiga ─ “Gosto não se discute; se lamenta!” ─ Não vi o que ele falou para enfurecer a avozinha, mas suspeito que se o capiroto tiver que escolher entre ela e o autor para ter a seu lado, não vai ter dúvida. Que triste chegar à velhice sem que a vida tenha ensinado sabedoria e bondade! E suspeito que o Mago não falou mal do Brasil, nem dos brasileiros. Deve ter é dito diabruras do desgoverno que anda arruinando o país.

Mas o vídeo é instigante! O que teria feito a velhinha odiar tanto o antes apreciado escritor? Paulo Coelho não é a primeira celebridade brasileira fustigada pela ira de antes supostos pacíficos cidadãos. Junto estão Chico Buarque, Paulo Freire, Marilena Chauí e outros. O que anda acontecendo? A avó incendiária diz ter lido dez livros do Mago. Por certo viu algo de proveitoso. O que teria causado mudança tão radical?

É possível que nossa opinião nunca antes tenha estado tão à mercê da tecnologia de informação, que sabidamente nos manipula, nos doutrina. Se alguém ainda duvida disso, veja o documentário “O dilema das redes” (2020, direção de Jeff Orlowski), que revela como nossas escolhas têm sido governadas pelos onipresentes sistemas de controle da informação. Deixamos de ser usuários ou consumidores, passamos a ser o produto que é oferecido aos verdadeiros consumidores: os fazedores de opinião.

A avó incendiária gostava do Paulo Coelho. Mas o autor passou a receber os qualificativos de canalha, f.d.p. e outras baixarias. E, no dizer da idosa, é um comunista, petista, sem-vergonha, que deveria mudar-se para Cuba, Venezuela ou a China, e não viver no bem-bom da Suíça.

Trata-se de uma revisão de juízos, que vem com a acrescentada compreensão da velhice? O que tem mudado nas últimas décadas é o poder de manipulação das tecnologias midiáticas. Até idosos com gostos consolidados mudam suas convicções, e queimam na fogueira as referências anteriores. Não aprenderam nada com elas? Queimar livros é um histórico símbolo de retrocesso obscurantista.

O que mais preocupa é constatar como somos vulneráveis à manipulação. Não soubemos controlar as tecnologias de informação. Então estamos sendo controlados por elas.

 Mário Sérgio de Melo é Geólogo, professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG

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