Debates
História e a Independência
Da Redação | 11 de setembro de 2020 - 02:19
Por Acir Camargo
A pandemia reforçou o que o cotidiano limpidamente
evidencia, a mentalidade do brasileiro no descompromisso com a sua história. A
última semana caracterizou-se pela ausência das costumeiras celebrações da
discutível independência do Brasil. Pesquisas e estudos históricos e os
acontecimentos posteriores de 1954 nos permitiram acesso à diversidade de
fontes, análises e novas interpretações do movimento independentista. Nestes
dias, tenebroso período, que depois de 2016, aceleraram o processo e alienação
plena, de desnacionalização econômica, cultural e política do Brasil, se faz
necessário discutir e resgatar essas análises historiográficas.
Até os 1980, reinou o falso patriotismo como signo zodiacal.
Livros didáticos doutrinadores nos ensinavam num jogo de imagens dóceis,
sequenciais, que a independência do Brasil, fora ato político importante,
heroico e benemérito, fruto da bravura e imprevisibilidade do primeiro
imperador e da articulação meticulosa e discreta da princesa. Nos ensinavam a
admirar mitos, personagens, contos, nos quais, a história brasileira parecia
uma sequência de fatos pacíficos, concatenados, personalidades e gestos sem
contradição, sem conflitos. Nesse ensino equivocado, se exibia a falsa e
harmoniosa convivência de Pedro Álvares Cabral, Tiradentes, Dona Maria I, Duque
de Caxias, Pedro I, Pedro II, Marechal Deodoro e outros. Nos omitiam também a
participação do povo, classes, seres humanos reais, escravos, índios, negros, mulheres,
ricos, pobres e trabalhadores. Criminosamente nos poupavam das causas da
história, a existência de conflitos e interesses em disputa que a fazem. Isso
objetivava o mesmo tipo nefasto de patriotismo enganoso que se impõe à
população desavisada, numa época como a nossa, quando forças tidas como mortas
na década de 1950, retomam o discurso político, a produção literária,
educacional e jornalística dos nossos dias, semelhante ao que ocorre no Leste
Europeu e não poupa a América Latina.
Por uma cultura errônea, despolitizadora, maléfica, através
da tradição positivista e dos manuais ingênuos, a Independência tomou um lugar
imerecido e serve em nossos dias, para o mais escabroso patriotismo. Sua
proclamação política, não econômica nem social, jamais pertenceu aos brios
valentes do príncipe, mas da correlação de forças do capitalismo mundial em
ascensão e à pressão das potências europeias que o capitaneavam. O êxito do
modo de produção capitalista dependia da eliminação do antigo sistema, aquele
que alimentava intermediários funestos nas relações comerciais de troca.
Souberam os Braganças aproveitar o inevitável em seu benefício. O 7 de setembro
preservou o que havia de mais atrasado e cruel da nossa história, a
discriminação social, o modo de produção escravista, ausência de cidadania,
voto censitário, coronelismo, senado vitalício, preocupação única nos
interesses acumulativos da elite senhorial. A data assinala nossa dependência
do Império inglês e o endividamento externo do país. Não foi revolução, não melhorou
a vida da população.
Nosso esforço em superar visões enganadoras e
antidemocráticas começam por revisar valores. Duas são as datas nacionais, a
proclamação da República, 15 de novembro, quando um presidente inteligente e
estudioso da História se pronunciaria em cadeia nacional reforçando o princípio
da democracia política e social e 30 de outubro de 1930 que marcou o nascimento
do país como nação e Estado. Precisamos bons professores e muitos livros.
Acir Camargo é colaborador do Jornal da Manhã