Debates
O que você faz quando ninguém te vê fazendo?
Da Redação | 11 de junho de 2020 - 02:14

Por Letícia Sugai
Imagine que você pudesse fazer suas compras, abastecer seu
carro e inúmeras outras atividades cotidianas sem interagir com ninguém. Você
escolhe, você paga e, se necessário, leva o troco. Tudo isso com autonomia
total para declarar o valor da compra que quisesse ou devesse. Porque há a confiança
de que nem você, nem ninguém, teria um comportamento que não fosse o correto.
Uma realidade assim pode parecer fantasiosa se considerarmos
que, todos os dias, nos deparamos com diversos desvios de conduta. Estamos
acostumados a conviver com os sérios prejuízos que esses ilícitos causam para a
sociedade e com o desequilíbrio que geram na nossa economia.
No Brasil, nunca discutimos tanto a respeito de
transparência. Com isso, o tema da moda hoje não poderia ser outro: compliance.
Você já ouviu falar a respeito?
Compliance quer dizer “fazer a coisa certa mesmo quando
ninguém está olhando”. É um termo estrangeiro que, literalmente, significa
“cumprir”. Tratamo-lo também como conformidade ou integridade. Na prática, é
quando atitudes, crenças e comportamentos são combinados para agrupar normas,
manter uma conduta ética e, assim, prevenir desvios de conduta.
Você sabia que até 5% do faturamento de qualquer negócio é
perdido com fraudes? Ocorrem, segundo dados da consultoria KPMG, em 66% dos
casos motivados por ganho financeiro pessoal e por cobiça, em 27% deles porque
houve vontade ou porque o fraudador entendeu que podia e em 13% por influência
da cultura organizacional.
Atitudes assim, que ocorrem no secreto, somadas geram
prejuízos assustadores. Hoje, de acordo com relatório da FIESP, 2,3% de toda a
riqueza gerada no país vai parar no bolso de corruptos. Algo em torno de R$ 220
bilhões por ano. O montante corresponde a 30 vezes o orçamento de 2019 para a
Educação no estado do Paraná.
Então, se as boas práticas são saudáveis para as
organizações e para a sociedade, por que elas não são automaticamente adotadas
por todos?
Mexer na cultura das pessoas é colocar sob perspectiva um conjunto
de elementos intrínsecos a cada indivíduo, jogando luz em comportamentos
rotineiros que acabam desenhando a identidade de um grupo. A partir daí, será
preciso cavar para encontrar a raiz, revolvendo na terra – e nem todo mundo
gosta de ter seu jardim bagunçado.
Mais de 80% dos brasileiros acham que pessoas comuns podem
combater a corrupção de acordo com uma pesquisa realizada pela Transparência
Internacional. E como brasileiros, somos cordiais. Por isso, tendemos a ser
avessos a um sistema que pareça burocrático.
A sociedade se constrói com as ações cotidianas de todos os seus membros. Mais do que grandes momentos históricos, são os dias comuns que definem a realidade de um país. A postura ética não é uma denominação que pode ser adotada de uma vez e para sempre, ela precisa ser renovada todos os dias e perante todas as tentações e racionalizações.
Letícia Sugai é sócia das empresas Veritaz e Gordion. É
presidente do Instituto Paranaense de Compliance (IPACOM) e criadora do
Movimento “Integridade sempre vale a pena”.