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Imagem ilustrativa da imagem Cultura enlatada

Por Mário Sérgio de Melo

Outro dia um filme que passava num canal fechado na TV impressionou-me pelo realismo dos personagens, parecidos com pessoas que vejo no dia a dia, e pela intensidade de emoções, sentimentos, ações desses personagens. O nome do filme, de origem russa: “Sem amor”. O tema: drama familiar. O diretor: Andrey Zvyagintsev.

O filme surpreende pelo clima que cria em torno de tema tão crucial: o amor filial. Deve ter sido uma produção barata comparada às superproduções estadunidenses que inundam nossas telas, e que atraem multidões e arrecadam milhões. Por que filmes realistas, baratos, sobre temas humanos essenciais, que aliam arte, reflexão e entretenimento, comumente vindos do leste europeu e do oriente, são tão raros e costumam ser fracassos de bilheteria entre nós?

Será que vivemos a civilização da cultura enlatada? Não só no cinema, mas na literatura, na música, no teatro... Para consumo rápido, que nos entorpece mais do que nos encoraja e desperta sentimentos e reflexão? Uma cultura que não emancipa, ao contrário, submete? Sentir e refletir estão na contramão da civilização baseada no consumo rápido e insaciável, senão entra em colapso. Não é assim o mundo atual, em que os produtos têm vida útil programada para que tenhamos que trocá-los logo por outros, senão a produção cai, a fábrica vai à falência? E o mesmo não se passa com a indústria cultural, que esqueceu o sentido da palavra cultura, que é cultivar a humanidade dentro de nós? Cultura passou a ser um produto como qualquer outro no mundo consumista, precisa ser vendido rápido e em grande quantidade.

Hoje uma das ciências que mais avança é a ciência do controle, da manipulação do comportamento humano. Somos bombardeados a todo instante por técnicas cada vez mais sofisticadas e eficazes para pensarmos, desejarmos, comprarmos, agirmos, votarmos da forma como nossos manipuladores desejam. Somos como eles querem, perdemos a identidade de ser pensante e sensível, com singularidades e aspirações intrínsecas. Somos treinados para responder com reflexos condicionados, como deseja o mercado.

O resultado dessa eficaz manipulação revela-se nos filmes que assistimos, livros que lemos, músicas que escutamos, compras que fazemos, ideologias que defendemos, governantes que elegemos, ícones que idolatramos ou que amaldiçoamos.

O contrário da cultura enlatada seria a cultura popular, impregnada da autenticidade da realidade da vida de um povo, sua tradição, território, lutas, conquistas, subjetividade. No Brasil, onde a cultura popular ainda consegue sobreviver à terraplanagem da cultura enlatada? Talvez nos rincões da Amazônia, no sertão nordestino?

Não por acaso o filme mais falado e premiado produzido no País nos últimos tempos, o Bacurau, de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, aborda justamente a confronto do tradicional com a enlatada farsa no sertão nordestino.

Urge resgatar a cultura autêntica, expressa na cultura tradicional, na cultura popular.

Mário Sérgio de Melo é Geólogo, professor aposentado do Departamento de Geociências da UEPG

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