PF cita Michelle, Malafaia e até noras de Bolsonaro em trama de golpe
O relatório final da Polícia Federal que levou ao indiciamento de Bolsonaro e seu filho foi encaminhado, na sexta-feira (15), ao STF
Publicado: 23/08/2025, 09:16

O inquérito que levou ao indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por suspeita de coação no processo sobre a trama golpista pode ser desmembrado e atingir figuras no entorno do ex-presidente, como a ex-primeira-dama Michelle.
O relatório final da Polícia Federal que levou ao indiciamento de Bolsonaro e seu filho foi encaminhado, na sexta-feira (15), ao STF (Supremo Tribunal Federal). Agora, a PGR (Procuradoria-Geral da República) decide se arquiva, pede novas investigações ou faz uma denúncia.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, a PGR tem autonomia para denunciar parte dos envolvidos ou todos eles, sem precisar se ater aos dois políticos atualmente indiciados. Ela também pode desmembrar a investigação, pedindo mais apuração em alguns casos.
Para a PF, há indícios suficientes de que Bolsonaro e Eduardo tentaram interferir na ação penal que investiga a trama golpista de 2022 e 2023 a partir da atuação do parlamentar no exterior. Essa atuação era investigada desde maio a pedido da PGR. No inquérito, a instituição citou os crimes de coação, obstrução de Justiça, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e atentado à soberania.
Nos Estados Unidos, Eduardo divulgou em março que se afastaria do cargo para fazer naquele país uma ofensiva a favor de sanções contra autoridades brasileiras que investigam seu pai. O ex-presidente está desde 4 de agosto em prisão domiciliar em razão de ter descumprido medida cautelar. Ele vai ser julgado a partir de 2 de setembro na ação penal que investiga a tentativa de golpe. Se condenado, pode pegar mais de 40 anos de prisão e aumentar a sua inelegibilidade, que atualmente vai até 2030.
Além dos indiciados nesta quarta (20), outras figuras no entorno do ex-presidente colaboraram com a tentativa de interferir na Justiça, segundo a PF. Uma delas é o pastor Silas Malafaia, que é investigado no inquérito e foi alvo de uma operação de busca e apreensão também na quarta. Por determinação do STF, o líder religioso teve o celular apreendido e o passaporte cancelado. Ele não pode sair do país nem manter contato com Eduardo e Bolsonaro.
De acordo com a PF, o líder religioso “vem atuando de forma livre e consciente” na “definição das estratégias de coação”. Nas 170 páginas do relatório final do inquérito, a instituição junta mensagens entre Malafaia e Jair Bolsonaro a respeito de ações a serem tomadas a favor da pressão por uma anistia.
O ex-comentarista da Jovem Pan Paulo Figueiredo é outro investigado e citado como partícipe. Ele também é réu na ação penal que investiga a tentativa de golpe, processo no qual a Justiça teve dificuldade de intimá-lo pessoalmente em razão de sua moradia nos Estados Unidos.
Além deles, o relatório da PF aponta que Michelle e a esposa de Eduardo, Heloísa, teriam contribuído para o esquema ajudando a repassar dinheiro entre pai e filho.
O objetivo seria criar “artifícios para dissimular a origem e o destino de recursos financeiros, com o intuito de financiamento e suporte das atividades de natureza ilícita do parlamentar licenciado no exterior”.
Também é citada no relatório Fernanda Bolsonaro, esposa de outro filho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Segundo a PF, remete ao usuário de Fernanda a criação e última autoria de um pedido de asilo que Bolsonaro teria preparado para enviar ao presidente da Argentina, Javier Milei. De acordo com Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, o indiciamento da PGR não vincula a atuação do Ministério Público, que pode denunciar apenas um indiciado ou todos os investigados no inquérito.
Da mesma forma, a PGR pode denunciar parte dos investigados agora e solicitar mais investigações envolvendo outras pessoas no entorno do ex-presidente, como Malafaia, explica Marcelo Crespo, que é professor e coordenador do curso de direito da ESPM.
A possibilidade de desmembramento da investigação também é citada por Ricardo Martins, advogado criminalista e professor de ciências criminais. Para ele, a atuação do pastor descrita no relatório poderia ensejar enquadramento no crime contra o Estado democrático de Direito. Já Michelle e Heloísa Bolsonaro poderiam ser responsabilizadas criminalmente se ficar comprovado que colaboraram com lavagem de dinheiro e a tentativa de impedir o bloqueio judicial de bens dos parceiros, avalia Martins.
Para Crespo, a participação de Malafaia é citada de maneira robusta no processo e demonstra uma ligação umbilical entre ele e a família Bolsonaro. Já o caso de Michelle e Heloísa, afirma o especialista, pode levar a uma denúncia envolvendo os mesmos crimes dos quais o ex-presidente é acusado. Para tanto, é necessário investigar o nível de dolo delas.
“No Código Penal, todos aqueles que de alguma forma competem para a prática de um crime respondem nas mesmas penas. [É o que pode acontecer com elas], a menos que fique absolutamente demonstrado que desconheciam a situação e foram feitas de joguetes”, afirma Crespo.
Já para Thiago Bottino, o relatório da PF não indica haver participação voluntária e consciente de Michelle e Heloísa na tentativa de obstruir a ação penal do golpe. Ele entende que a participação delas parece se resumir à transferência de dinheiro.
Por isso, o especialista considera que uma implicação jurídica para as esposas dos políticos só ocorreria caso fosse comprovado que elas tinham ciência da tentativa de coação envolvendo a ação penal do golpe. Nesse caso, elas poderiam responder pelos mesmos crimes que Eduardo e Jair.
A atuação de Fernanda Bolsonaro colaborando para o pedido de asilo também justificaria investigação sobre sua atuação, na interpretação de Marcelo Crespo. Ele entende, porém, que há menos elementos neste caso que possam justificar eventual responsabilização jurídica.
Com informações do Portal Banda B, parceiro do Portal aRede