Brasil relembra abolição da escravatura em 13 de maio
Há 134 anos, Senado e Câmara aprovaram Lei Áurea em apenas 5 dias; texto foi sancionado pela princesa Isabel
Publicado: 13/05/2023, 15:00
Comemorada pelos abolicionistas, odiada pelos escravistas, criticada por setores do movimento negro, abandonada pelo currículo escolar, 13 de maio de 1888 é a data em que foi sancionada a abolição da escravatura no Brasil. Em um trâmite que durou apenas cinco dias, a Câmara e o Senado do Império do Brasil aprovaram o projeto de lei que extinguiu por completo a escravatura no Brasil: a Lei Áurea.
No dia 3 de maio de 1888, a princesa Isabel de Orleans e Bragança, exercendo a regência pela ausência de seu pai, o imperador dom Pedro II — que estava fora do Brasil —, abre o ano parlamentar com um discurso que pede o fim da escravatura. No dia 8 de maio o ministro da Agricultura, Rodrigo Augusto da Silva, envia o projeto de abolição da escravatura ao Parlamento. No dia 10 de maio, o texto é aprovado pela Câmara dos Deputados, e no dia 13 de maio, pelo Senado. No mesmo dia, a lei foi sancionada pela princesa. Tudo em regime de urgência e com forte oposição dos escravistas.
O senador João Maurício Wanderley — o Barão de Cotegipe, porta-voz da bancada escravista no Senado — declarou que a abolição mergulharia o país em uma crise econômica, com consequências políticas. E após a sanção da lei pela princesa Isabel, afirmou que isso causaria o fim do Império.
— Precisamos dos escravos. A senhora acabou de redimir uma raça e perder o trono!
Por sua vez, Joaquim Nabuco, deputado, diplomata e antiescravagista, relatou em seu livro O Abolicionismo que os fazendeiros escravistas prejudicados com a abolição se tornaram inimigos do Império, passando a defender a República.
— A ideia, adrede [intencionalmente] espalhada entre os fazendeiros, de que o imperador era o chefe do movimento contra a escravidão de repente engrossou as fileiras republicanas com uma leva de voluntários saídos de onde menos se imaginava [dos fazendeiros].
Ruptura do pacto escravista
Por 388 anos o Brasil teve sua economia ligada ao trabalho escravo: extração de ouro e pedras preciosas, cana-de-açúcar, criação de gado e plantação de café. A mão de obra escrava era a força motriz dessas atividades econômicas. E os fazendeiros tornaram-se o grande sustentáculo econômico do regime imperial.
Para dar um exemplo das relações da Coroa com os fazendeiros escravocratas, a residência da família imperial no Rio de Janeiro, o palácio da Quinta da Boa Vista, havia sido doada em 1808 por Elias Antônio Lopes, um português que fizera fortuna com o tráfico de escravos da África ao Brasil.
E somente após a Guerra do Paraguai (1864-1870) é que nos estados (na época chamados de províncias) onde esses fazendeiros não detinham o poder absoluto as teses abolicionistas gradualmente puderam ganhar força. Um caso relevante foi o da província do Ceará, que aboliu a escravidão em 25 de março de 1884, por obra do presidente da província, Sátiro de Oliveira Dias.
A decisão foi o ponto culminante de uma recusa, iniciada em 1881, dos jangadeiros liderados por Francisco José do Nascimento (conhecido como Chico Matilde e mais tarde, como Dragão do Mar) em transportar os escravos cearenses para os navios negreiros que os levariam para o sul do Brasil.
Indenizações
O historiador Fernando Trindade afirma que a abolição foi uma luta política e econômica. E concorda com a tese que liga a abolição da escravidão com a proclamação da República.
— Pessoalmente, tenho a convicção que há uma relação entre o fim da escravidão e a proclamação da República. Vários escritores e políticos da época citam o movimento dos ex-donos de escravos que exigiam serem indenizados e receberam um não da princesa Isabel.
Reforçando essa linha, em 2007 o Memorial Visconde de Mauá tornou pública uma carta da princesa Isabel ao Visconde da Santa Victória, sócio de Mauá. Nela, a princesa relatava estar conseguindo uma verba para indenizar os escravos, e não seus ex-proprietários. E que se tal fato fosse descoberto, os fazendeiros e os militares se juntariam contra dom Pedro II e toda a família imperial.
“Com os fundos doados, teremos oportunidade de colocar esses ex-escravos, agora livres, em terras próprias, trabalhando na agricultura e na pecuária e delas tirando seus próprios proventos. Deus nos proteja dos escravocratas e os militares saibam desse nosso negócio, pois seria o fim do atual governo e mesmo do Império e da Casa de Bragança no Brasil”, escreve a princesa.
E realmente, em poucos meses, o imperador foi derrubado e a República, proclamada.
Logo após a proclamação da República por um movimento militar em 15 de novembro de 1889 — um ano e meio depois do fim da escravidão —, os antigos proprietários de escravos passaram a exigir do recém-nomeado ministro da Fazenda, Ruy Barbosa, reparações pela perda de seus escravos.
Queima de arquivos
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) defende a atitude de Ruy Barbosa, que, pressionado pelos fazendeiros ex-donos de escravos, mandou queimar todos os registros contábeis de compra e venda de escravos no Brasil. A medida radical eliminou todos os registros que possibilitariam as indenizações exigidas pelos fazendeiros. Os chamados “indenizistas” exigiam uma reparação financeira da jovem República, que mal se sustentava economicamente.
— Ruy Barbosa tomou a medida justa e adequada, pois preservou o Tesouro Nacional e preveniu uma injustiça. O Brasil tinha sido o último país das Américas a abolir a escravidão e ainda teria de pagar depois indenizações astronômicas aos fazendeiros. Foi uma decisão antioligárquica que impediu uma ignomínia.
O senador ainda lembrou que justamente a base política que deu sustentação a esse período, chamado de República Velha, foi formada pelos fazendeiros do café em São Paulo e do gado em Minas Gerais, o grande grupo que havia perdido seus escravos em 1888. E que essa base altamente instável levou o país à crise econômica de 1929 e à Revolução de 1930, que alçou Getúlio Vargas ao poder e encerrou esse período.
As informações são da Agência Senado