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Coluna Fragmentos: Rua XV de Novembro: o nosso “Theatrum Mundi”!

A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro

No dia 20 de março de 1957, o JM denunciou a existência de apostas no bar Cascatinha, um dos mais tradicionais de PG da década de 1950 e que funcionava na Rua XV de Novembro
No dia 20 de março de 1957, o JM denunciou a existência de apostas no bar Cascatinha, um dos mais tradicionais de PG da década de 1950 e que funcionava na Rua XV de Novembro -

João Gabriel Vieira

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Na década de 1970, o sociólogo norte-americano Richard Sennett publicou um livro que se tornaria uma das principais referências para estudiosos que tratam de comportamentos coletivos urbanos nas sociedades contemporâneas. No Brasil, essa obra – O Declínio do Homem Público: As tiranias da intimidade – ganhou destaque a partir de sua tradução e publicação pela editora Companhia das Letras, em 1988.

Ao estudar comportamentos sociais na França do século XVIII, Sennett lança luzes sobre o que ele chama de “vida pública”, e afirma que foi a partir desse momento que as populações urbanas adotaram regras e padrões de interação nos espaços públicos no que respeita a exposição dos corpos, de vestuários, de adereços e de gestos de cortesia. No entendimento de Sennett, estabeleceram-se, a partir daquele contexto histórico, os códigos e convenções sociais – Bom dia! Obrigado! Com licença! Foi engano! – que, ao serem utilizados, efetivamente introduziam uma pessoa ao conjunto social no qual ela estava fisicamente inserida.

Ainda de acordo com o raciocínio de Sennett, pensando o espaço público como o espaço referencial para as interações sociais, nessas sociedades sempre era possível identificar um espaço que reunia os elementos materiais da modernidade capitalista – como os cafés, bares, teatros, jardins – e no qual tais códigos de conduta, encenações e práticas sociais se davam de modo pleno. Tais espaços públicos foram classificados por Sennett como “Theatrum Mundi”!

Em Ponta Grossa, cidade que a partir do início do século XX passou a viver de modo intenso a chegada dos elementos da modernidade capitalista, os comportamentos sociais também se modificaram para se adequar aos novos tempos. Nas décadas iniciais dos Novecentos multiplicaram-se pela cidade as lojas varejistas, as alfaiatarias, as barbearias e salões, os cine-teatros, os jornais e revistas, os restaurantes e bares, os clubes sociais e os salões de jogos. Os ponta-grossenses daquele período passaram a consumir e a se comportar conforme os padrões instituídos e assumidos em grandes centros no Brasil e no exterior.

E o nosso “Theatrum Mundi”? Sim, também tivemos um espaço público que reunia os elementos citados por Sennett: a Rua XV de Novembro! Até meados dos Novecentos, ao longo de sua extensão, a Rua XV possuía dois grandes cinemas (o Renascença, no cruzamento da XV com a 7 de Setembro, e o Eden, atual Cine Teatro Ópera), cafés, bares, restaurantes, relojoarias, joalherias, butiques, salões de bilhar e outros negócios. Em razão desse conjunto de estabelecimentos – e de ofertas comerciais e culturais – além do movimento diurno, a rua XV pulsava durante as noites e nos finais de semana.

O “footing da XV” foi uma das principais práticas da sociabilidade ponta-grossense por décadas. Em determinados momentos, o vai e vem de pessoas e a concentração de público na frente dos cinemas foi tão grande que (na década de 1930) a prefeitura chegou a adotar um sistema de mãos (similar ao que ocorre com os automóveis) para disciplinar o trânsito de pedestres ao longo da Rua. Era desfilando, flertando, flanando, consumindo ou se divertindo na XV que os ponta-grossenses tornaram essa Rua um grande “Theatrum Mundi”, no qual a sociedade local representava os padrões e os comportamentos próprios daquela época.

Em 1938, devido ao acentuado movimento de pessoas pela Rua XV, o prefeito Albary Guimarães decidiu remodelar o antigo Largo do Rosário e criar um novo lugar de lazer e sociabilidade na cidade: a Praça Barão do Rio Branco. Aos poucos a população se deslocou para o novo espaço e a Rua XV passou a dividir sua função de teatro social a céu aberto com a praça e os atrativos desse novo espaço público: a concha acústica, a fonte de águas multicoloridas, o parque de diversões, as floreiras e bancos! Nascia assim um novo “Theatrum Mundi” que, durante décadas, cumpriu o mesmo papel entre os ponta-grossenses.

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O OPEGUA da Rua XV

Espaço de lazer, de consumo, de boemia, de jogos e jogatinas, a Rua XV também foi a extensão da mais renhida disputa esportiva da história de Ponta Grossa: o OPE-GUA! Durante décadas, Operário e Guarani dividiram as paixões futebolísticas e sociais em nossa cidade e a Rua XV também abrigou essa disputa. Até a década de 1960 (seguindo a mão atual) os operarianos optavam por circular pelo lado direito da Rua e se concentrar no Bar e Restaurante King, enquanto os bugrinos só andavam nas calçadas do lado esquerdo e se reuniam no Bar e Restaurante Maracanã.

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Conteúdo inédito.

Coluna assinada por Niltonci Batista Chaves. Historiador. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.

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