Coluna Fragmentos: Os santos e as festas
A coluna ‘Fragmentos’, assinada pelo historiador Niltonci Batista Chaves, publicada entre 2007 e 2011, retorna como parte do projeto '200 Vezes PG', sendo publicada diariamente entre os dias 28 de fevereiro e 15 de setembro
Publicado: 22/08/2023, 00:24
É muito comum encontrar em todas as regiões brasileiras manifestações religiosas que contam com o culto aos santos. Tais práticas envolvem desde a comemoração do dia de cada um deles, através de missas, procissões e festas e perpassam também os pedidos, ofertas, promessas e homenagens.
Tal característica percebida em nosso país pode ser explicada a partir de sua colonização. Reconhece-se, é claro, os motivos comerciais e expansionistas que motivaram os investimentos de Portugal nas grandes navegações e nas descobertas de novos territórios, entretanto, é impossível que tais razões sejam separadas das motivações religiosas que fizeram parte do “descobrimento” e pautaram as ações da metrópole para com a colônia.
Prova disto se encontra em uma das primeiras denominações dadas ao Brasil: Terra de Santa Cruz, e ao local onde foi realizada a primeira missa: Bahia, a de todos os santos. Conforme o historiador Ronaldo Vainfas, todos os santos da Bahia eram católicos em sua nomenclatura, mas as culturas entrecruzadas em decorrência da colonização eram muitas, assim influências africanas, indígenas e europeias determinaram a construção e o papel de cada santo para a população.
Este sincretismo, que nem sempre foi pacífico e isento de perdas culturais, já que a imposição do modo de vida e da religião dos colonizadores aos indígenas e aos escravos se deu a partir de relações de poder que muitas vezes se utilizaram da força e da violência, demonstra que o culto aos santos representa muito mais do que crenças e intenções pessoais, mas também várias culturas, povos e modos de pensar e significar o mundo.
Uma tradição que teve início durante a época em que ainda éramos colônia de Portugal e que permanece viva e muito presente ainda nos dias de hoje são as festas realizadas em homenagem aos santos. Estas eram celebradas como rituais que ligavam o povo (em todas as suas camadas sociais) a Igreja e ao Rei. Eram ocasiões para que a monarquia, por mais distante que estivesse na prática dos setores marginalizados, mostrar que se preocupava com seu povo, possibilitado que estes participassem das festas organizadas e planejadas por ela.
Nestas procissões, momento especial da festa, apesar da central posição da Igreja Católica, religião oficial da colônia, representada através de seus santos, era possível encontrar, principalmente através das manifestações dos negros, evidências de outras culturas e crenças, que com o passar do tempo acabaram se mesclando. Para isto basta pensar na semelhança encontrada ente Iemanjá e Nossa Senhora da Conceição, protetoras dos rios e dos oceanos, de Iansã e Santa Barbara, representantes das guerras e das tempestades e da semelhança entre o orixá Ogum e os santos Antônio e Jorge.
Naquele tempo e até hoje, estas festas e procissões representavam e representam um momento de renovação, de esquecimento dos sofrimentos, das dificuldades diárias e das diferenças sociais. Eram e são um momento de congregação, de amortecimento de revoltas e rebeliões, e que apesar de ser um espaço e um momento sagrado, de espera de milagres e realização de promessas, representa também um momento de socialização, de rompimento de normas e padrões, enfim uma oportunidade para alegrar-se e festejar.
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Em Ponta Grossa
Nossa cidade é marcada por uma forte tradição católica e tal característica pode ser observada através das festas e procissões realizadas em homenagem aos santos. Apesar de não apresentar o mesmo formato do que o encontrado em meados do século XX, devido o aparecimento de outras religiões e de mudanças na forma de pensar o mundo, essas manifestações, mesmo que de modo singular, ainda continuam presentes em Ponta Grossa. A mais famosa delas, que ainda acontece todos os anos e reúne muitos fieis, é a conhecida festa de Sant’Ana, padroeira do município.
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O material original, com mais de 170 colunas, será republicado na íntegra e sem sofrer alterações. Por isso, buscando respeitar o teor histórico das publicações, o material apresentará elementos e discussões datadas por tratarem-se de produções com mais de uma década de lançamento. Além das republicações, mais de 20 colunas inéditas serão publicadas. Completando assim 200 publicações.
Publicada originalmente no dia 27 de fevereiro de 2011.
Coluna assinada por Amanda Cieslak Kapp, historiadora, doutora em história pela UFPR e professora da Unibrasil e do Instituto Federal do Paraná/Campus Pinhais.