O maio de 1968 na UFPR - Parte 2
Publicado: 12/04/2014, 11:30

Prof. Drª. Christiane Marques Szesz - Professora Adjunta do Depto. de História/UEPG e Professora do Mestrado em História, Cultura e Identidades/UEPG
Prof. Dr. Renato Lopes Leite - Professor Adjunto do Depto. de História/UFPR e Professor do Mestrado em História/UFPR
Participaram desta pesquisa os estudantes: Helder Silva Lima, Jose Adil de Lima e Rodrigo Gomes de Araujo (todos da UFPR), a quem agradecemos. A presente pesquisa foi realizada com o apoio do CNPq, um órgão do Governo Brasileiro voltado ao desenvolvimento científico e tecnológico
[Leia a primeira parte aqui]
No dia seguinte, haveria outro confronto entre os estudantes e a polícia. Às 7h30 os estudantes tomaram de surpresa os 3 prédios centrais da Reitoria da UFPR. (Às 7 horas houve concentração na praça Santos Andrade). Os estudantes ocuparam a Reitoria e isolaram todo o quarteirão. Armaram barricadas com arame farpado, paralelepípedos (extraídos da própria rua), tábuas e esvaziaram os pneus de três carros oficiais. "Os estudantes se prepararam para uma batalha campal com a Polícia ou o Exército". Segundo Jurandir Garçoni, presidente do DCE: "Temos mais de mil estilingues e uma centena de foguetes, além de pedras e pedaços de pau. Vamos resistir. Só Deus sabe o que vai acontecer" (Diário Popular, 15 de maio de 1968).
Os estudantes haviam prometido tomar a Escola de Engenharia, no Centro Politécnico, onde se realizava o vestibular para o novo curso pago. "Numa manobra tática, entretanto, ocuparam [os] três prédios centrais". Sentados no chão, havia perto de mil estudantes. "Todos os funcionários da Reitoria foram embora, e o reitor” não apareceu. "O busto do Magnífico Reitor Flávio Suplicy de Lacerda foi derrubado e seu nariz cerrado". "As posições foram mantidas até às 11h da manhã", quando as reivindicações foram atendidas, quais sejam: "1- retirada imediata das tropas da Polícia Militar de todas as unidades da Universidade Federal do Paraná; 2 - suspensão do vestibular na Escola de Engenharia".Os estudantes soltaram fogos e gritaram: "POLÍCIA TAMBÉM É POVO" (Diário Popular, 15 de maio de 1968).
Dois meses depois, em 16 de julho de 1968, depois da reunião do SNI, houve "opção do governo [militar de Costa e Silva] pela repressão". Neste mesmo 16 de julho iniciou-se greve de trabalhadores em Osasco (durou 72 horas). Segundo Elio Gaspari, seu líder, Jose Campos Barreto, o Zequinha, foi preso e torturado pela polícia Federal com choques, sabão em pó nos olhos, e espancamento, para confessar sua adesão a Marighela, o temido comunista que fundara a ALN. "A tortura de presos políticos estava de volta" em unidades militares e delegacias de polícia. E é relatada por Luciano Coutinho (preso no DOPS para confessar autoria de texto), Vladimir Palmeira (preso no I Exército em Pernambuco) e pelo estudante Jose Genuíno (preso em São Paulo).
Ou seja, Costa e Silva não "enquadrou o radicalismo do regime quando ele se criminalizou". Criminalização que vinha ocorrendo através do "processo de anarquia militar", das pressões dos generais sob o presidente, e dos atentados de grupos paramilitares de direita que haviam aderido às armas, principalmente depois da crise de março a setembro de 1968.
Na madrugada de 12 de outubro ocorreu a prisão de 920 estudantes no Congresso da UNE de Ibiúna, em São Paulo. Na clandestinidade (a clandestinidade levaria ao "combate pelas armas"), 156 estudantes morreriam até 1974 por aderirem à guerrilha.
No mesmo 12 de outubro foi executado o militar americano Charles Rodley Candler. Ações da vanguarda ocorriam a cada duas semanas. Em outubro, a dissidência estudantil de Niterói criou o MR-8, grupo que assaltava bancos e pretendia montar treinamento guerrilheiro em Foz do Iguaçu. Neste período, faculdades e escolas secundárias do Rio de Janeiro e de São Paulo recrutavam para a guerrilha.
Quatro dias depois do AI-5, em 17 de dezembro de 1968, 42 estudantes do Paraná foram presos em chácara no Boqueirão, próximo a Curitiba. Eles tentavam fazer um Congresso estudantil estadual. A partir daí, a repressão seria implacável.
A "integração de experiências profundamente dolorosas, negativas e mesmo desastrosas em nossa própria identidade provoca uma nova consciência dos elementos da perda e do trauma no pensamento histórico" (RÜSEN, 2009, p. 179). Tornam-se necessárias, assim, novas formas de lidar e processar tais experiências, através de ideias como luto e perdão. Durante o período da Ditadura Militar foram assinados diversos acordos de cooperação entre o governo brasileiro e Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. No campo da educação, estes acordos visavam promover uma ampla reforma educacional com objetivo de ampliar a oferta de ensino em todos os níveis, atrelando-os ao modelo econômico dependente por meio do objetivo de formação de mão de obra voltada exclusivamente à técnica. Tal proposição reforçava o caráter dependente do desenvolvimento nacional.
No que se refere ao ensino superior, a Reforma Universitária propugnava, dentre outras coisas: o fim do sistema de cátedra, o regime de créditos, a criação de departamentos, os vestibulares classificatórios, os cursos de graduação divididos em ciclo básico e profissionalizante, o ensino de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado). Em consonância com estas proposições houve a tentativa de implantação da cobrança de anuidade para os estudantes das universidades federais (realizada em parte do ensino básico, colegial e universitário estaduais).
Pode-se afirmar que a marca do ano de 1968 na UFPR foi a irrupção do conflito entre as imposições ditatoriais, em particular das decorrências da Reforma Universitária (em especial, a tentativa de cobrança de anuidade) e a posição de vanguarda assumida pelos estudantes na luta contra a política educacional e a resistência contra a violência e aviltamento dos direitos democráticos promovidos pelo regime militar.