Crônica dos Campos Gerais: A Casa | aRede
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Crônica dos Campos Gerais: A Casa

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho
Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho -

Da Redação

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A casa foi vendida a preço quase vil para uma incorporadora que pretendia arrasar o quarteirão para explorar ali um estacionamento. A crise na construção civil, a reboque da baixa das commodities e da majoração do preço do aço, trouxe o mercado para o fundo. Durante algum tempo a casa ficou como estava; depois os invasores percorreram os seus cômodos, furtaram a porta de alumínio e os gradis, puxaram a fiação, grafitaram seus codinomes nas paredes, depredaram tudo.

Mas, antes, houve vários "antes". O antes de aquela casa ser mera edificação e dormitório, o antes de ser residência e habitação de pessoas satisfeitas ou não (domicílio civil e nada mais) e inclusive o antes de ser um verdadeiro lar, embora por pouco tempo.

Esse antes específico foi o dos últimos moradores ─ um lar, sim ─, mas de repente as coisas não andaram bem. Numa época qualquer, o proprietário teve um dia feliz: a sorte fugitiva veio ao seu encontro de hora em hora, no ritmo mecânico do moto-contínuo e com a regularidade dos movimentos planetários, transformando-o e transformando o seu entorno. Com a alma banhada pela gratidão, ele voltou pela calçada pensando em tomar assento no sofá, convocar os seus, dar as boas notícias e lhes dizer: "Tudo isso também é por vocês todos". Mas quando ele cruzou o hall de entrada segurando esse pensamento com as duas mãos, um leve estremecimento na atmosfera ou deslocamento imperceptível no ar anteciparam o que em seguida ficou claro: que tudo estava desfeito, aquele lugar já não seria mais seu, que os retratos cairiam das paredes, o ciclo estava findando, o mundo conhecido se degradara.

Num raio de apenas três quilômetros dali, a administração municipal já promovera o tombamento de cinco edificações históricas ─ mas não daquela casa. Por esse motivo, a memória histórica e urbanística não preservou exatamente o que aconteceu naquele dia em especial. Certo é que algo aconteceu lá, destinos foram definidos, e depois foi como no poema de Drummond: "A casa foi vendida com todas as lembranças / todos os móveis / todos os pesadelos / todos os pecados cometidos e em vias de cometer".

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais (https://cronicascamposgerais.blogspot.com/).

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