Crônicas dos Campos Gerais: Zé Pedro | aRede
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Crônicas dos Campos Gerais: Zé Pedro

Crônicas dos Campos Gerais: Zé Pedro

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa
Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa -

Da Redação

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Crônicas dos Campos Gerais: Zé Pedro

A Universidade Estadual de Ponta Grossa é um edifício de quatro andares solidamente instalado no centro da cidade; fronteiriça à sua fachada, a praça Santos Andrade alberga a fauna humana.

Na praça Santos Andrade vagou, por uma noite, o fantasma de Zé Pedro depois de sua primeira morte. Zé Pedro vivo já andava por lá, camisa andrajosa, bolsos pedindo compaixão, à procura de uma moeda, um cigarro. Corpo cravejado de moléstias diversas, estômago tumultuado pela fome invencível, já fora então despojado da qualidade humana, ectoplasma carnal penalizado no plano terreno.

Zé Pedro morreu de facada na extremidade leste. A viração noturna que afagou a cidade castigada pelo sol violento presenciou seus últimos arrancos de respiração, enquanto a vida se extinguia no corpo inerte e frio.

Zé Pedro era bom, mas não subiu. Uma pandemia assolava a espécie, a universidade estava deserta e as moedas que arrecadara não pagavam a condução para o além. A alma vagou entre estranhos, buscando fazer a travessia, e se perdeu. Cansada, acabou retornando ao lugar habitual e se deixou ficar no chão, magra como o recipiente material agora velado pelos insetos. Então, subitamente, viu à sua frente desfilarem neanderthais, deuses gregos e romanos, gladiadores com lâminas reluzentes, inquisidores com tochas, falanges de anjos, homens e mulheres de todas as cores. O primeiro sol refulgiu na vidraçaria da universidade, e Zé Pedro sabia que o passado era incerto, que o presente inexistia e que tudo o que seria não seria mais. Viu o cosmo dobrar-se sobre ele próprio, enxergou o universo de fora, e as galáxias se movimentavam como cardumes, meteoros se chocavam dando origem a novas estrelas. Um buraco negro esboçou capturá-lo, ao aproximar-se dele Zé Pedro viu-se finalmente livre da fome e da dor, de todas as aflições. "Então é assim", ele pensou – nada de túneis, nada de rios, apenas voltar à natureza, reencontrar seu destino no espaço sideral. A emanação que vinha do além parecia lhe dizer: não tenha medo do fim, não tenha medo da sina, tudo vai dar certo. Abandonou-se, quis se deixar levar, avançou alguns metros, mas as pernas lhe faltaram, os braços lhe faltaram; não pôde mais, os caminhos se fechavam indiferentes, e Zé Pedro, novamente um feto, sentiu-se revestir do barro primordial.

Abriu os olhos e viu que, na praça Santos Andrade, tudo estava igual, o mesmo prédio, as mesmas ruas. Levantou-se, abanou a poeira e desceu no sentido da Bonifácio Vilela. A miséria havia vencido a morte.

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais (https://cronicascamposgerais.blogspot.com/).

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