Crônicas dos Campos Gerais: ‘Incêndio no quintal’
Publicado: 24/03/2021, 11:40
Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa, produzido no âmbito do projeto Crônica dos Campos Gerais
Chegamos à cidade de Castro, quando meu marido foi transferido de
Guarapuava, onde trabalhava e tínhamos residência, para aquela cidade
histórica. Com seus alicerces fincados no tropeirismo, cortada pelo Rio Iapó e
com a proteção de Nossa Senhora de Santana, pretendíamos viver ali e criar
nossos filhos.
Na bagagem muitos sonhos, esperança de um futuro promissor.
Construímos nosso lar numa casa de alvenaria antiga, ampla e acolhedora, em
frente à estação ferroviária. Acostumamo-nos ao som estridente das máquinas
puxando vagões de carga e de passageiros que deslizavam pelos trilhos como
serpentes de ferro desde Itararé-SP até o Uruguai. Os trens iam e vinham
resfolegando, fazendo enorme ruído quando os freios eram acionados; seus
apitos vibrantes prenunciavam acenos de lenços brancos. Passavam pela
estação de dia, à noite, de madrugada...
Nosso quintal fundia-se com o rio e todas as noites recebíamos a visita,
um tanto assustadora, porém benfazeja, de inúmeros representantes da figura
símbolo de Castro, os sapos. Ao lado da casa, um espaço sem uso onde o
mato crescia livre. Não havia coleta de lixo e os moradores costumavam
queimá-lo no quintal. Sem alternativa eu fazia o mesmo que os meus vizinhos.
Numa tarde depositei o lixo naquele terreno baldio e ateei fogo. O capim
devia estar ressecado pois as chamas alastraram-se rapidamente. Sozinha,
tentando apagá-las com baldes de água vi minha atitude resultar infrutífera.
Abandonei os baldes e corri até o bar da esquina pedindo ao dono que ligasse
para o Corpo de Bombeiros. Necessitava de socorro, de equipamentos
próprios, de ajuda profissional.
Fiquei paralisada quando aquele senhor me explicou que Castro não
contava com uma corporação de soldados do fogo e que teria que chamar os
da cidade mais próxima: Ponta Grossa. Não haveria tempo de colocar aquela
ideia em prática; uma tragédia se mostrava iminente.
Voltei para casa sem saber o que fazer. Entretanto, dois homens que se
encontravam naquele local me acompanharam no intuito de ajudar-me. Mais
experientes e fortes, cortaram galhos dos arbustos e com eles bateram nas
chamas que em poucos minutos se extinguiram.
O progresso chega, em cada cidade ao seu tempo, e também chegou a
Castro. A estação ferroviária foi restaurada quando já não estávamos mais lá.
Hoje a corporação de bombeiros é uma realidade e a coleta de lixo também.
Ficaram as lembranças de uma época vivida, um tempo que não passa mais
por aquela estação.
Texto escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais.