Crônicas dos Campos Gerais: ‘Firmemente’ | aRede
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Crônicas dos Campos Gerais: ‘Firmemente’

Texto de autoria de Aline Sviatowski, estudante de Ponta Grossa

Aline Sviatowski é ponta-grossense, tem 26 anos, é ex-acadêmica de Direito na UEPG, caloura de farmácia na USP e segue buscando seus sonhos na Medicina e na escrita.
Aline Sviatowski é ponta-grossense, tem 26 anos, é ex-acadêmica de Direito na UEPG, caloura de farmácia na USP e segue buscando seus sonhos na Medicina e na escrita. -

Da Redação

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Texto de autoria de Aline Sviatowski, estudante de Ponta Grossa

Na rua do bairro de Uvaranas, caminha João. Com seu chapéu marrom inclinado em média uns vinte graus com o eixo do topo de sua cabeça, observa “de vesgueio” as casas e algumas já possuíam decoração natalina, causando essa sensação de estranhamento típica de 2020. Sua máscara facial começa a deslizar alguns milímetros para baixo em sua face. Aqueles milímetros imperceptíveis aos terceiros, porém que incomodam profundamente o personagem.

João sente a vontade de ajeitar sua máscara mais para a posição superior do rosto, porém lembra-se da mortalidade viral a que pode expor-se. “Enquanto não aparecerem o nariz e a boca, tudo certo”. No entanto, a sensação é comparável à meia que desliza lentamente pelo pé, em direção ao interior do sapato. Quanto mais lenta é engolida pelo calçado, maior é a agonia.

João, em seus setenta anos, jamais imaginaria um cenário em que respirar o levaria a contrair uma doença potencialmente mortal. E muito menos que o drama da meia engolida ganharia a proporção que ganha comparativamente à máscara facial. Em alguns cenários, o mundo perde o rumo por alguns instantes. E ele já havia visto isso acontecer algumas vezes durante sua vida. “O bom é que ele costuma recuperar o rumo”, pensa.

Após alguns minutos sucumbiu a ajeitar sua máscara, que estava quase no precipício do nariz. “João!”. E ele pulou, como se ouvisse assustado uma materialização de sua consciência o repreendendo por tocar no rosto. Era seu amigo, Carlos. Não via Carlos há oito meses, nem com ele tomava café, ou cerveja. Não sabia como estava sua família, nem como tinha sido sua cirurgia de vesícula.

Havia ele conseguido a indenização judicial que esperara por longos dez anos? Ele continuava jogando na loteria? Será que leu o livro que sua filha o presenteou? Como estavam seus netos, que antes pediam bala de morango toda vez que ele ia os visitar?

Ao invés, contudo, trocaram um típico aceno. João levantou seu braço, em um ângulo de noventa graus. Com os dedos esticados para o céu, o gesto típico do cumprimento que limita as palavras a um resumido diálogo que parece tudo dizer.

“Firme? Firme!”.

Aparentemente a família, a vesícula e os netos estavam todos bem. E, nesse momento, estar bem é estar saudável fisicamente. Estar vivo, sem sequelas e sem o vírus.

E assim seguem os ponta-grossenses – tal qual a humanidade. Continuam seguindo. “Firme”,  “Firmecozuque” e, sobretudo, firmemente ante qualquer adversidade.

Texto escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais.

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