Crônicas dos Campos Gerais: “Gansos são cães de polacos”
Texto de autoria de Aline Sviatowski, estudante de Ponta Grossa
Publicado: 11/11/2020, 09:20
Texto de autoria de Aline Sviatowski, estudante de Ponta Grossa
Nas proximidades da antiga Colônia Cecília, de passado anarquista, a tranquilidade de hoje não reflete o sistema proposto no passado. Algumas anarquias perduram, porém. Enquanto a aparente calma das relações humanas impera, algumas outras relações animais mantêm-se conturbadas.
O menino caminhava distraído pelas ruas de Palmeira, como habitualmente fazia entre as seis e as sete da manhã. Quando, ao aproximar-se da residência de um caro amigo, escuta certo estralo que o faz parar. Um desses estralos que outorgam o fim. O cessar da vida. Estralo que deixa atônito o menino, que é ouvinte despreparado para os sons da vida rural.
Acena ao amigo com a cabeça. Estampava certo horror (consequência da presença imponente da Morte) e, não obstante, estampava profunda simpatia pelo amigo polonês. Alguns momentos depois, o menino é positivamente surpreendido com um “a janta está garantida, amigo! Vem saborear uma galinha caipira mais tarde”. Após combinados os detalhes, seguiu com a sua caminhada dando vazão ao fluxo de pensamentos filosóficos. “Ao menos foi uma vida plena: pondo vários ovos, ciscando livremente e enchendo o papo a bel-prazer. Embora plena, foi uma vida marcada pela imposição de alimentar-nos”.
A brisa gelada de uma manhã setembrina, que intercalava suspiros invernais com nascentes paisagens primaveris, o fez apertar mais o casaco e esconder os braços dentro das mangas. Colocou o braço esquerdo dentro da manga direita, o braço direito dentro da manga esquerda; como se abraçasse a si mesmo. Cobriu qualquer fragmento de epiderme com maestria.
A morte da galinha e o frio perseguiram o menino no transcorrer do dia. “Um amigo tão gentil, com mãos cheias de sangue. Mas que depois transformaria a pobre ave em deliciosa obra gastronômica para saborearmos juntos o momento”. Eram ironias impossíveis de desconsiderar: previsão de calor, mas frio. Morte, mas vida.
Sete da noite e o menino aproximava-se da casa do amigo. Foi novamente surpreendido, mas agora por Donald, Frederico e Chaves. Bicavam-no, em saudação, ao saírem de suas casas semelhantes às de cachorros. Seu amigo alertou: “cuidado com os gansos, são heranças de família!”. Enfim, a anarquia dos domésticos.
Texto escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais.