Debates
Maternidade e pejotização
Da Redação | 13 de agosto de 2025 - 00:01

Por Willian Jasinski
Nos últimos anos, o mercado de trabalho tem assistido a uma
transformação silenciosa, mas profunda, a substituição de contratos formais
(CLT) por contratos como pessoa jurídica (PJ), especialmente na modalidade
Microempreendedora Individual (MEI).
Essa tendência, chamada de pejotização, é muitas vezes apresentada como
sinônimo de autonomia e liberdade para o trabalhador. Mas, quando olhamos sob a
lente da maternidade, o cenário muda drasticamente, a suposta liberdade se
revela, em muitos casos, como vulnerabilidade.
Na teoria, o contrato PJ é um pacto entre iguais, duas
empresas negociando condições livremente. Na prática, a disparidade de forças é
gritante. Empresas impõem horários, exclusividade, subordinação e até controle
de produtividade, mas sem conceder qualquer direito trabalhista. É o que se
chama de “CLT disfarçada”.
O drama se agrava quando a trabalhadora engravida. No regime
CLT, a gestante tem estabilidade desde a confirmação da gravidez até cinco
meses após o parto, além de licença-maternidade remunerada e outras garantias.
Já no contrato PJ, a regra é simples, não há estabilidade, não há aviso-prévio,
não há FGTS, não há férias.
O único benefício possível, o salário-maternidade pago pelo INSS, exige
contribuição mínima de 10 meses antes do parto e, mesmo assim, é limitado a um
salário mínimo.
O resultado é a repetição de uma prática recorrente, ao
informar a gestação, muitas mulheres são desligadas sob justificativas que soam
como cuidado, mas carregam a velha concepção de que maternidade e desempenho
profissional não podem coexistir.
A questão hoje está no Supremo Tribunal Federal, que discute
se a pejotização pode ser considerada fraude trabalhista quando encobre uma
relação de emprego típica. O julgamento é complexo e envolve impactos
econômicos significativos, mas não podemos ignorar um ponto central, a
pejotização não é neutra. Ela afeta de forma desigual grupos já vulneráveis no
mercado de trabalho.
Ao desobrigar empresas de observar garantias trabalhistas, o
modelo cria um terreno fértil para a discriminação silenciosa. Afinal, sem
vínculo formal, não há fiscalização, não há estabilidade, e denúncias de
assédio ou discriminação se tornam mais arriscadas.
É o retorno de velhos fantasmas que, por décadas, tentamos afastar com leis
protetivas, a escolha entre ser mãe ou manter o emprego.
Não se trata de desqualificar o contrato PJ, ele é legítimo
quando há efetiva autonomia, possibilidade de atender diversos clientes e
liberdade para organizar o próprio trabalho. O que preocupa é seu uso como
fachada para driblar obrigações e compromissos trabalhistas.
A discussão no STF, portanto, não é apenas jurídica. É
também social, econômica e de gênero. Ignorar que a pejotização atinge mães de
forma desproporcional é fechar os olhos para uma realidade que salta aos olhos
de quem vive o dia a dia do trabalho no Brasil.
Se queremos um mercado verdadeiramente moderno e justo, não
basta flexibilizar. É preciso equilibrar a balança, garantindo que
flexibilidade não seja sinônimo de abandono e que maternidade não seja tratada
como empecilho, mas como parte legítima da vida profissional de milhões de
mulheres.
* O Autor é advogado, formado em Direito pela Universidade
Norte do Paraná, com especialização em Direito Aplicado pela Escola da
Magistratura do Paraná