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Sim, infelizmente, nos representam

Imagem ilustrativa da imagem Sim, infelizmente, nos representam

Por Giovani Marino Favero

“Cada povo tem o governo que merece”, escreveu Joseph de Maistre no século XIX, com o olhar cético de quem já via na política um espelho fiel da sociedade. Em pleno século XXI, em uma conversa trivial com um conhecido de longa data, me vi refletindo sobre essa frase com incômodo e resignação. Ele, que sempre foi avesso a qualquer posicionamento político, agora abraçava a lógica torta da famosa Lei de Gérson – aquela velha máxima de querer levar vantagem em tudo. Era o início de uma constatação desconcertante: muitos brasileiros vivem em um estado crônico de espera. Espera para entrar no esquema, seja ele público ou privado, desde que o beneficiado final seja ele mesmo.

Machado de Assis já ironizava em crônicas e contos sobre a esperteza como valor social. Hoje, mais de um século depois, ela continua sendo o passaporte simbólico para o sucesso imediato. Quando o debate se volta para políticas públicas – saúde, educação, mobilidade, inclusão – é inevitável perceber que os impostos só são bem-vindos se resultarem em benefício direto, visível e pessoal. Em um distrito da minha cidade, moradores criticavam o novo posto de saúde. “Prefeito bom era o de antes”, diziam, “não tinha postinho, mas tinha a ambulância que levava a gente para a cidade.” A lógica é simples: o que é coletivo, preventivo ou de longo prazo, não rende voto.

A mesma mentalidade aparece em outras situações. A qualidade do ensino é secundária diante do “kit escolar”: calça, camiseta, jaqueta. Se tiver mochila e tênis, então, o prefeito vira mito. João Ubaldo Ribeiro certa vez observou que o brasileiro não gosta de governo, gosta é de benfeitor. E benfeitor, aqui, é aquele que oferece agrados de curto prazo – uma lâmpada trocada, uma praça pintada, um presente que se vê e se veste.

Planejamento de longo prazo? Proibido. Governo que investe em saneamento, alfabetização plena ou infraestrutura invisível dificilmente se reelege. Afinal, como cobrar resultados de políticas que demoram anos para mostrar frutos se a próxima eleição está logo ali, no calendário político? O jogo é de curto prazo, e o eleitor também joga.

E quando o escândalo vem, quando vemos o dinheiro público alimentar o patrimônio de governantes e legisladores, parte da indignação popular não é ética – é invejosa. O sujeito não se revolta porque é errado, mas porque não está dentro. O problema, para muitos, não é o esquema existir, mas o fato de não terem sido convidados para ele.

Camus escreveu que “nomear as coisas de forma errada contribui para a desgraça do mundo.” E talvez esteja aí a nossa falha mais grave: chamar de esperteza o que é desonestidade, de jogo político o que é oportunismo, de representação o que é apenas reflexo. Porque, sim, infelizmente, nos representam. E é por isso que dói tanto.

Giovani Marino Favero é professor associado do Departamento de Biologia Geral da UEPG.

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